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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

27 de set. de 2008

O Rosto e a Ética na Televisão


“Posso obrigar meu rosto a fazer qualquer coisa”

Marilyn Monroe


No filme Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), o cineasta Orson Welles retratou um grande empresário dos jornais que tinha por costume transformar ficção em realidade – no sentido negativo. O cidadão era Randolph Hearst, magnata da indústria da informação nos Estados Unidos da primeira metade do século 20. De manchetes que eram a mais pura ficção, à pré-julgamento de personalidades públicas, seu império jornalístico cresceu em função de sensacionalismo barato.

Digamos que fossemos convidados a montar os cartazes da campanha eleitoral do Senhor X. Não há dúvidas, mesmo que não seja bonito, deverá manter todos os músculos do rosto em ação. Por outro lado, outros signos emanam de sua postura, pela maneira como levanta os braços... Suas mãos nunca podem ser esquecidas.

Quem se lembra dos óculos no rosto de Jânio Quadros? No entanto, todos daquela época guardam em sua mente a imagem da vassoura com a qual pretendia varrer a corrupção - ao som de “varre, varre, vassourinha” (à esquerda). Coincidência ou não, o atual governador da Califórnia, Arnold Exterminador do Futuro Schwarszenegger, apareceu em público para falar de corrupção com uma vassoura nas mãos. Afirmava que ia varrer esse mal da vida de seus eleitores (à direita).

Benito Mussolini, o ditador italiano, gostava de ser filmado sem camisa, empunhando enxada, pás ou dirigindo tratores. Seu amigo alemão, Adolf Hitler, preferia os palanques. Sua voz e suas mãos/braços faziam uma triangulação com seu rosto. Geralmente, aparecia nas telas do cine-jornais da época num ângulo que deveríamos utilizar se pretendêssemos fazer do Senhor X um deus. Em discursos importantes a câmera era posicionada abaixo dele. Isso fazia com que sua imagem evocasse um ser acima da corrupção mundana. O espectador é colocado na posição do filho pequeno, para quem o pai está sempre numa posição superior (1).



"Minta, minta que
alguma coisa fica"


Josef Goebbels
Ministro da Propaganda de Hitler



John Kennedy, Fernando Collor… Exemplos poderiam seguir ao infinito. O Senhor X é uma construção. Uma imagem construída ao gosto do freguês. A próxima pergunta: mas isto é um problema? Sim e não. Sim, porque obviamente conhecemos os males advindos de confundir uma barba bem feita com um bom administrador. Não, porque assimilação de comportamentos culturais também se dá por um aprendizado imitativo. Portanto, quando Kane/Hearst criava/vendia um personagem, procurava sua “cara” nos leitores. Como afirmou Joan Ferres, “uma escola que não ensina como assistir à televisão é uma escola que não educa” (2). Jesús-Martín Barbero e Germán Rey criticam o asco dos intelectuais em relação à televisão. Acreditam que não se pode negar que a televisão constitui uma das mediações históricas mais expressivas de matrizes narrativas, gestuais e cenográficas do mundo cultural popular (3).

No que denominaram de “mal-olhado dos intelectuais”, chamam atenção para uma “exasperação da queixa”. O que irrita Barbero e Rey é o fato desse olhar, em geral, não perceber que na maior parte das vezes não passa de asco estético misturado com indignação moral (4). Referindo-se ao próprio país, afirmam que aquela tendência a não admitir em público que se vê televisão ainda seria lugar comum entre professores colombianos, numa tentativa de afirmar uma autoridade intelectual. (acima, à esquerda, três poses de Adolf Hitler enquanto praticava seus discursos; acima, Bush, o presidente norte-americano; ao lado, Fernando Collor)

Na opinião de Barbero e Rey, desligar a tv também não é a saída. Agir assim é tornar irrelevantes as lutas contra a lógica mercantil! As próprias políticas educativas falham quando não acreditam ser necessário ensinar a ver tv. Esta atitude acaba tornando o aparelho em si (e não a programação) um veículo de incultura (5).

Eles afirmam que, se atravessamos um desordenamento cultural, ele é fruto da interação (cada dia mais densa) entre dois universos. Por um lado, os modos de simbolização e ritualização do laço social e, por outro lado, os modos de operação dos fluxos audiovisuais e das redes comunicacionais. (ao lado, o presidente Lula)

Barbero e Rey defendem a hipótese de que essa desordem questiona as formas invisíveis do poder articuladas aos modos do saber e do ver. Ao mesmo tempo, são tornados visíveis novos saberes, novas formas de sentir, novas figuras da sociabilidade (6).

Os personagens criados pelos cidadãos Kane da grande mídia, nossa própria criatura (o Senhor X)… Enfim, não podemos confundir reprodução de estereótipos com criação. Não podemos confundir o puro clichê com a potência do novo.

Notas:

1. Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler, é aquele que está por trás dessa produção da imagem do ditador.
2. FERRES Joan. Televisão e Educação. Tradução Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. P. 7. O grifo é meu.
3. MARTÍN-BARBERO, Jesús; REY, Germán. Os Exercícios do Ver. Hegemonia Audiovisual e Ficção Televisiva. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001. P. 26.
4. Idem, p. 23.
5. Ibidem, p. 27.
6. Ibidem, p. 18.

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