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Roberto Acioli de Oliveira

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29 de mar. de 2009

A Face do Mal (final)


Afinal, Com Quem ele Deveria se Parecer?

Embora a relação da nudez com a desordem do mundo esteja articulada com a nudez do Diabo, geralmente ele está usando uma saia ou tanga que cobre a genitália - e sabemos que ele tem uma genitália, já que o exercício da sexualidade que fez dele um anjo caído. Não se sabe muito bem de onde vem essa saia, mas é considerada sinal de selvageria. O Diabo fica parecendo um homem das cavernas. Portanto, a “nudez” do Diabo aparece em três formas: completamente nu, com saia de homem das cavernas ou totalmente coberto de pêlos (1).

Luther Link sugere que, em função da dificuldade em se encontrar modelos da figura do Diabo, a arte medieval achou o que copiar não na realidade ou em sonhos, mas nos palcos: encenações dos mistérios da Bíblia, ora elogiados ora criticados pelos clérigos entre os séculos X e XIII. O rosto e a forma do Diabo teriam essa como sua fonte mais importante, embora não se possa descartar que também o drama medieval possa ter sido influenciado pela pintura. Sabe-se lá por que, somente a partir do Século XIII é que as asas de morcego substituem as asas de anjo com as quais o Diabo era às vezes representado (2).

O Dilema de Giotto

Uma explicação comum para a diversidade de aparências do Diabo seria sua natureza: ele assume muitas formas. Poucos se dão conta de que as torturas do Inferno que aparecem em pinturas medievais constituem representações exatas das práticas da Inquisição com suas “torturas judiciais” (3). Donatello foi o maior escultor do diabo durante a Renascença, e Giotto foi seu correlato contemporâneo na pintura. Mas os diabos de Giotto eram coisas peludas, barbudos, com garras, possivelmente também derivados das roupas e fantasias utilizadas nas encenações de mistérios. Para Giotto, o mal era real, mas o Diabo não. A definição que Santo Agostinho havia dado para o mal como algo que é a ausência do bom, criaria um problema incontornável para os artistas, especialmente para Giotto. Como representar algo que é ausente? Giotto conseguia situar o mal num ator humano, mas não fora dele.

“Em suas pinturas, é uma forma humana que encarna o mal, mas esta percepção não se limita a Giotto. Essa é a razão subjacente de existirem, antes do século XIX, tão poucas imagens do Diabo feitas por artistas ocidentais que permanecem em nossa memória. ‘Estudar a natureza e não copiar outros pintores é o que faz um verdadeiro pintor’, opinou Leonardo. Mas não se pode pintar o Diabo estudando a natureza” (4)

(imagem acima, à esquerda, São Miguel e o Dragão, Rafael, 1505; imagem acima, à direita, A Traição de Judas, Giotto, 1304-6; ao lado e abaixo, dois detalhes de O Juízo Final, Giotto, 1306)

A transformação de um anjo num animal negro com patas é um das características que definem o tem dos anjos rebeldes, essa idéia fixa regada à falta de imaginação é mais comum até o século XV. Mas então aparecem os Livros de Horas. Destinados aos aristocratas e comerciantes, produzidos por artistas contratados, tinham mais a ver com a transmissão do status de seus donos do que com a palavra divina. Embora girassem em torno dos mistérios da fé, muitos foram perdendo essa característica inicial. De acordo com Link, foi a partir do livro de horas do duque de Berry, produzido pelos irmãos Limbourg, que ocorre uma transformação decisiva na figura de Satã, assim como a mais notável queda de Lúcifer (5).

A Máscara dos Homens

Se o Diabo podia ser tanto um micróbio quanto um anjo caído, qual seria seu rosto? Não poderia ter um rosto, pois não passava de uma abstração! Deveria ser mostrado como uma “pessoa” para poder ser entendido como força maligna. “Era um homem com apenas uma máscara (e nisso nem mesmo era um homem)”. Essa condição facilita descrever o inimigo, pois o Diabo tem o “rosto” do oponente. Na falta de clareza, o Diabo poderia ser tudo. A Igreja (seja qual for) sempre soube disso. “O Diabo sem rosto é um modo eficaz de evitar levar em consideração a oposição e automaticamente colocar Deus do próprio lado” (6).

“Nenhuma outra criatura
nas artes com uma história
tão longa é assim tão vazia
de significado intrínseco
(...)
E se a aparência do Diabo
quase sempre foi determinada
[pela roupa usada] para
personificá-lo
, isto é adequado:
o Diabo é apenas [uma roupa],
mesmo que se tenha tornado
inseparável da pele daqueles
que [a] usam”
(7)

Notas:

1. LINK, Luther. O Diabo. A Máscara sem Rosto. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. P. 72.
2. Idem, p. 82 e 86.
3. Ibidem, p. 137 e 148.
4. Ibidem, p. 151.
5. Ibidem, p. 174 e 179.
6. Ibidem, p. 193.
7. Ibidem, p. 205. Link, ou a tradutora, utiliza a palavra “costume” onde me referi a “roupa”.

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