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Roberto Acioli de Oliveira

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23 de out. de 2008

Masculinidade e Violência

A definição da representação social da masculinidade nas sociedades tradicionais se sustentava no conceito de virilidade e sua articulação com o mundo do trabalho e da violência. Neste sentido, o homem desempregado é visto como alguém sem força viril. A perda de posses e de honra é vista como um ataque à condição masculina, a sensação de humilhação evocada aí geralmente antecede situações de violência. A perda de alteridade, decorrente da perda de poder da condição masculina, levaria o homem a reivindicar a reintegração da posse de si mesmo através de atos de violência. A cultura autoriza o uso da força física para provar sua virilidade quando não se sentir reconhecido como homem. Portanto, através de atos violentos o homem procura recuperar seu status social masculino perdido: “mato, logo existo” (1).

A perda do status que a representação social da masculinidade seria fruto da desintegração dos valores das sociedades tradicionais quando estas se metamorfoseiam em sociedades modernas. Nas sociedades tradicionais, a violência era articulada a certos rituais sagrados. Hoje tudo mudou, o patriarcado herdado desse contexto é visto como símbolo do passado e como um entrave que restringe a consolidação de uma nova sociedade. Regulada em torno do político e do informacional, a sociedade contemporânea afirma outro tipo de masculinidade. Entretanto, se antes a violência era minimamente regulável pelo sagrado, atualmente a falta de definição de um momento de transição para uma nova representação masculina leva à utilização gratuita da violência como forma de reinstalar o antigo estado de coisas.

A ligação da violência ao sagrado nas sociedades tradicionais pode ser encontrada nos rituais de passagem do menino para a idade adulta. No contexto tradicional, não é permitido haver dúvida sobre que tipo de homem se deseja ser, sob pena de desequilibrar a força formadora dos padrões culturais de determinada sociedade. A violência contra a mulher pode ser interpretada como uma resposta à perda de identidade masculina representada em uma rejeição por parte dela. Desta forma, a atitude dela estaria dizendo que um homem não é um homem. Logo, adotando o único parâmetro que lhe foi ensinado desde cedo, a resposta violenta masculina procura recuperar o território perdido: “perdê-la é perder a si mesmo, e assim sendo, reage de modo que, se não pode tê-la, então ninguém a terá” (2).

Na transição das sociedades tradicionais para a modernidade, estaria em curso uma “crise de identidade masculina”, uma desmontagem do masculino tradicional. A honra, a virilidade e a força física tornaram-se a imagem de um homem obsoleto. Por outro lado, a feminização da cultura ocidental contemporânea levaria ao que Baudrillard chamou de uma sociedade que prescinde da alteridade, do Outro. Em conseqüência, o Outro se torna o próprio Mal – e a representação que o “discurso do politicamente correto” faz do mal é masculina, branca e heterossexual. Como a crise masculina é tratada na perspectiva do sujeito e não da cultura onde são concebidas as representações sociais, a culpa de suas falhas e indefinições passa a ser imputada somente a ele e não ao espectro mais amplo dos valores culturais da sociedade que o construiu (3). Em uma comparação simplificada, poderíamos dizer que acontece da mesma forma como quando se afirma que a culpa é do indivíduo (quando quem mata é a polícia) ou que é da sociedade (quando quem mata é o bandido pobre).

No contexto tradicional, o consentimento do uso da força geralmente sempre esteve associado aos exércitos. Era uma violência consentida com vias a assegurar o domínio ou a defesa das nações. Entretanto, essa violência restrita aos campos de batalha passa na era moderna a se disseminar dentro da própria sociedade como violência doméstica, no trânsito, nas torcidas de futebol, nos assaltos e na reação policial a eles – além de outros tantos exemplos que poderiam ser citados de violência no cotidiano da cidade. Na passagem para as sociedades individualistas modernas, a força física, enquanto atributo de masculinidade vai perdendo terreno para o uso da arma. As sociedades contemporâneas têm lidado com a disseminação da violência de forma superficial, autorizando a oposição de uma “boa violência” contra uma “má violência” (4).

O curioso é que, apesar da hostilidade em relação à representação de masculinidade viril, ela é utilizada como parâmetro para as minorias reivindicarem diretos de igualdade. Os negros, as mulheres e os homossexuais, em suas reivindicações de afirmação social, aspiram à paridade com o mundo do homem, branco, heterossexual. Minorias que são vítimas dele, mas que desejam o mesmo status que ele desfruta. Na raiz disso tudo, estaria uma banalização da masculinidade articulada com o individualismo típico das sociedades contemporâneas. Para as minorias, é preciso que a representação masculina continue existindo, mas eliminando sua alteridade, para que a característica de guerreiro viril e violento não seja mais um problema. Banalizar significa destituir o sujeito de qualquer importância relativa a seu papel social. A banalização da masculinidade é também a arma do “politicamente correto” (5).

Notas:

Leia também:

As Deusas de François Truffaut

1. NOLASCO, Sócrates. De Tarzan a Homer Simpson. Banalização e Violência Masculina em Sociedades Contemporâneas Ocidentais. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. Pp. 66 e 72.
2. Ibidem, p. 71.
3. Ibidem, pp. 76, 78 e 116.
4. Ibidem, pp. 16, 31 e 33.
5. Ibidem, p. 116.

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