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Roberto Acioli de Oliveira

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20 de nov. de 2008

A Cultura da Arma na América do Norte (III)


Nós Somos os Santos

As armas eram apenas uma das muitas vantagens que os europeus tinham em sua conquista da América. Apesar disso, elas não se provaram decisivas. As narrativas que falam que as batalhas contra os índios podiam matar alguns deles davam a impressão de que as armas de fogo européias picotavam suas vítimas. Estudos mostram que outras armas eram responsáveis pela maioria das mortes. Especificamente, espadas, machados e fogo eram as armas mais mortais na guerra colonial. Nem sempre os índios corriam assustados com medo das armas de fogo. As primeiras quatro tentativas espanholas de invasão da Flórida fornecem ampla evidência da habilidade dos índios em resistir às incursões européias armados apenas com arcos e flechas. Entre 1513 e 1562, a tecnologia européia em armas de fogo utilizada pelos espanhóis provou ser irrelevante (1).

Inicialmente, os franceses seguiram a política espanhola de não comerciar armas de fogo com os índios. Entretanto, em 1640, os franceses fizeram uma exceção aos Huron do Canadá, que naquela altura haviam sido cristianizados. Certa feita, os Huron encontraram seus inimigos, os Mohawk, no caminho. Os Mohawk ficaram abalados ao descobrir que índios também podiam utilizar mosquetes e fugiram. Isso levou os franceses a fornecer armas de fogo para seus aliados índios, para que os ajudassem contra outros índios e contra os competidores ingleses no sul. Os índios perceberam que, para conseguir armas de fogo, bastava abraçar a religião dos europeus. Como escreveu um jesuíta em 1644, “a utilização do arcabús, recusado aos Infiéis... e garantido aos cristãos recém batizados, é um poderoso encanto para atraí-los: parece que nosso Senhor pretende fazer uso desses meios de forma a tornar a cristandade aceitável nessas regiões” (2).

Em 1644, na região da América do Norte que correspondia à colonização inglesa, havia um mosquete para cada quatro homens – na colônia da Virgínia, essa percentagem só seria superada na Guerra Civil Americana, entre 1861 e 1865. A maioria das armas estava nas mãos de gente do governo e de soldados, mas se temia que de uma forma ou de outra as armas caíssem nas mãos de índios. Ao contrário dos franceses, o comercio de armas era fora da lei entre os ingleses (3). Massachusetts era a colônia inglesa mais militarista. Na medida em que os assentamentos dos ingleses se expandem na região da Nova Inglaterra, os conflitos com os índios se intensificam. Nem índios nem europeus tinham a tradição do assassinato em massa, mas essas atrocidades acabaram se tornando rotina em ambos os lados. Os ingleses costumavam dar uma salva de tiros e partir para o confronto direto empunhando espadas e queimando aldeias, preferivelmente com gente dentro das cabanas.

Todas as armas de fogo existentes na América do Norte no século 17 vieram da América do Norte. Os vários governos europeus não viam razão para implementar a produção de armas de fogo nas colônias, mesmo porque ainda estavam longe de conseguir criar número suficiente de fabricantes em seus próprios reinos. Havia também pouca evidencia de que essas armas estivessem fazendo tanta diferença nas guerras de conquista.

Na América do Norte, dois sistemas de violência estavam lentamente se articulando. Para os europeus, a violência era monopólio do Estado, enquanto para os índios era uma questão de honra individual. Essa divisão perduraria até o século 19. Por outro lado, a política de extermínio da coroa britânica vinha também articulada a uma profunda justificativa religiosa. Como estabeleceram os residentes da cidade de Milford: “votado, que a terra é o Senhor e a completude dela; votado, que a terra é dada aos Santos; votado, que nós somos os Santos” (4). *

Notas:

* A sequência deste artigo se encontra no arquivo de dezembro de 2008.

1. BELLESILES, Michael A. Arming America. The Origins of a National Gun Culture. New York: Alfred A. Knopf, 2000. P. 46.
2. Idem, p. 50.
3. Ibidem, p. 58.
4. Ibidem, p. 63 e 67.

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