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Roberto Acioli de Oliveira

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2 de fev. de 2009

Os Biblioclastas (II)



(...) Onde
queimam
livros,
acabam queimando
homens
(...)

Heinrich Heine,
Almansor, 1821




Pedantocracia

O Holocausto foi precedido por um Bibliocausto. A barbárie começou já em 30 de janeiro de 1933, quando Hitler subiu ao poder. Em 4 de fevereiro uma Lei de Proteção do Povo Alemão restringiu a liberdade de imprensa e confiscou tudo que fosse considerado perigoso para o bom funcionamento da sociedade, segundo o ponto de vista nazista (1). No dia seguinte, as sedes do Partido Comunista foram atacadas e suas bibliotecas destruídas. No dia 27 o Parlamento alemão (Reichstag) foi incendiado em circunstâncias controversas. Isso propiciou um aprofundamento da Lei de Proteção, fim da liberdade de reunião e opinião. Joseph Goebbels é nomeado para o recém criado Ministério do Reich para a Educação do Povo e para a Propaganda. Ele tinha total controle sobre os currículos escolares e universitários.

Ideologia Opressora Latente do Povo


“Na idade Média eles
teriam me queimado
.
Agora se contentam em
queimar
meus livros.

Sigmund Freud



Adolf Hitler tinha grandes planos para a Alemanha. Nos acostumamos a lembrar dele a partir de imagens clichê de megalomanias militares. Entretanto, sua megalomania ia bem mais além dos simples jogos de guerra, a noção de pureza racial guardava uma relação direta com a estética - talvez mais do que com um comportamento móbido. Purificar a raça significava também reencontrar a pureza germânica que havia sido relegada ao mundo da arte. Pelo menos, de uma certa arte... A partir de 1933, Hitler resolve mostrar ao povo alemão aquilo que estaria contaminando a pureza germânica também em seu último reduto. Chamou-se Arte Degenerada ao conjunto das exposições de arte contemporânea onde Hitler pretendia mostrar ao povo alemão toda a degenerescência a que a cultura estava sujeita. Todos os expressionistas, os dadaístas, Picasso e tantos outros foram mostrados como gente demente. No mundo da literatura e da ciência havia também, segundo Hitler, uma degeneração que contaminava a alma do povo alemão.

A 8 de abril Goebbels envia um memorando às organizações estudantis nazistas propondo a destruição dos livros considerados perigosos. Mas já no mês anterior livros foram queimados na Schillerplatz, num lugar chamado Kaiserslaultern. Em 1º de abril, queimas e saques de livros ocorreram nas cidades de Düsseldorf e Wuppertal – nessa última, em Brausenwerth e Rathausvorplatz (2) (vou colocando os nomes caso alguém resolva fazer uma peregrinação pelas esquinas da Alemanha). Em 2 de maio, foram destruídos textos na Gewerkschaftshaus de Leipzig. Estudantes da Universidade de Colônia invadiram a biblioteca, recolheram e queimaram todos os livros de autores judeus. (todas as imagens deste artigo mostram algumas dessas fogueiras, ou então os momentos que antecederam a algumas dessas queimadas públicas)

Em 10 de maio membros da Associação de Estudantes Alemães queimaram cerca de 25 mil livros retirados de bibliotecas universitárias, institutos de pesquisa e bibliotecas particulares de judeus. Uma multidão se concentrou ao redor dos estudantes e da grande fogueira. Goebbels estava lá e discursou triunfante (terceira imagem abaixo, à direita). Exaltou o papel da juventude nessa “limpeza” da cultura alemã (como sempre, a prepotência fruto da inexperiência da juventude, facilmente consegue transformar os jovens em monstros). Algumas das cidades alemãs onde se queimaram livros nesse dia foram: Bonn, Braunschweig, Bremen, Breslau, Dortmund, Dresden, Frankfurt/Main, Göttingen, Greifswald, Hannover, Hannoversch-Münden, Kiel, Königsberg, Marburg, Munique, Münster, Nuremberg, Rostock e Worms. Todos cantavam enquanto lançavam livros ao fogo ao final de cada estrofe, em seguida citavam os nomes dos condenados à fogueira:


“Contra a decadência em si e a decadência moral. Pela
disciplina, pela decência na família e na propriedade”:

Heinrich Mann, Ernst Glaeser, E. Karstner

“Contra o pensamento sem princípios e a política
desleal. Pela dedicação ao Povo e ao Estado”:

F.W. Foester


“Contra o esfacelamento da alma e o excesso de ênfase
nos instintos sexuais. Pela nobreza da alma humana”:

Escola de Freud

“Contra a distorção de nossa história e a diminuição
das grandes figuras históricas de nosso passado”:

Emil Ludwig, Werner Hegemann



“Contra os jornalistas judeus democratas, inimigos do Povo.
Por uma cooperação responsável para reconstruir a nação":

Theodor Wolff, Georg Bernhard

“Contra a deslealdade literária perpetrada contra os soldados da [1ª]Guerra Mundial. Pela educação da nação no espírito do poder militar”:

E. M. Remarque


“Contra a arrogância que arruína o idioma alemão.
Pela conservação do mais precioso direito do Povo”:

Alfred Kerr

“Contra a impudicícia e a presunção. Pelo respeito
e a reverência devida à eterna mentalidade alemã”:

Tucholsky, Ossietzky


É curioso notar como algumas frases correspondem ao que muitos acreditam também faltar no Brasil de hoje. Isso mostra como é fácil uma boa intenção ser distorcida e manipulada em nome de interesses inconfessáveis. Toda ideologia opressora sabe muito bem que a manipulação de algumas reivindicações populares básicas de moralidade e respeito à cidadania (e mesmo as preconceituosas, como o anti-semitismo), permite a domesticação das massas (ou de pequenos grupos que funcionam como células terroristas que vão espalhando suas palavras de ordem por meio da intimidação).

Essa domesticação molda o pensamento das ovelhas de acordo com os interesses dos poderosos ou dos chefes de um bando de manipuladores. Seguramente, pelo mundo afora, muitas perseguições a idéias e seus autores são perpetradas em nome das mesmas estrofes citadas acima. No fundo, muita coisa que o regime nazista fez o povo aplaudir não foi imposta, tratava-se apenas da técnica de aprofundar algo que já se encontrava latente nos costumes do povo – como o anti-semitismo e o clamor por ordem numa sociedade que estava moralmente em frangalhos desde o final da 1ª Guerra Mundial. Os fins justificam os meios: esse tipo de manipulação é típica daqueles que se apresentam como salvadores da pátria.

O Mundo Cinza dos Carrascos

Suspeita-se que foram destruídos os livros de mais de 5.500 autores. Segundo consta, em 1933 existiriam 469 coleções de livros judaicos na Europa, com mais de 3.307,000 volumes: na Polônia, 251 bibliotecas com 1.650.000 livros; na Alemanha, 55 bibliotecas, com 422 mil livros; na ex-União Soviética, 7 bibliotecas, com 332 mil livros; na Holanda, 17 bibliotecas, com 74 mil livros; na Romênia, 25 bibliotecas com 69 mil livros; na Lituânia, 19 bibliotecas, com 67 mil livros; na ex Tchecoslováquia, 8 bibliotecas, com 58 mil livros. No final da Segunda Guerra Mundial, não teria sobrado nem 1/4 desse total. Os livros judaicos eram considerados “inimigos do povo”.

Na Polônia, o bibliocausto foi particularmente eficiente. Os nazistas atearam fogo na biblioteca talmúdica do Seminário Teológico Judaico da cidade de Lublin – o fogo durou 20 horas. Toda semana, de 1939 a 1945, uma biblioteca ou museu era atacado na Polônia. A biblioteca Raczynsky, a biblioteca do famoso matemático Waclaw Sierpinski, a biblioteca da Sociedade Científica, a biblioteca da Catedral, a biblioteca Nacional de Varsóvia, a biblioteca militar, a biblioteca Pública de Varsóvia, a biblioteca Tecnológica da Universidade de Varsóvia, todas foram destruídas e os livros queimados. Segundo os especialistas, cerca de 15 milhões de livros desapareceram na Polônia durante a Segunda Guerra. A Tchecoslováquia, que já estava invadida pelos alemães desde 1938, tinha 2 milhões de livros a menos no final de 1945. Longa também é a lista de autores censurados, vetados ou eliminados pelos nazistas, na Alemanha, Polônia, França e outros pontos da Europa ocupada (3). Sua reprodução é um tributo, e também é necessária para lembrar que nenhum de nós está livre dos biblioclastas e seus cães de guarda lobotomizados:

Nathan Asch, Scholem Asch, Henri Barbusse, Max Brod,

Richard Beer-Hofmann, Georg Bernhard, Martin Buber,

Günther Birkenfeld, Bertold Brecht, Hermann Broch,

Robert Carr, Hermann Cohen, Otto Dix, Alfred Döblin,

Casimir Edschmid, Ilia Ehrenburg, Albert Ehrenstein,


Albert Einstein, Lion Feuchtwanger, Georg Fink, Friedrich

W. Foerster, Bruno Frank, Sigmund Freud, Rudolf Geist,

Fiodor Gladkow, Ernst Glaeser, Iwan Goll, Oskar Maria

Graf, George Groz, Karl Grünberg, Jaroslav Hasek, Walter

Hasenclever, Werner Hegemann, Heinrich Heine,


Ernst Hemingway, Georg Hermann, Arthur Holitscher,

Albert Hotopp, Heinrich Eduard Jacob, Franz Kafka, Georg

Kayser, Alfred Kerr, Egon Erwin Kish, Kurt Kläber,

Alexandra Kollantay, Karl Kraus, Michael A. Kusmin Peter

Lampel, Else Lasker-Schuler, Vladimir Ilich Lênin,


Wladimir Lidin, Sinclair Lewis, Mechtilde Lichnowsky, Heins

Liepmann, Jack London, Emil Ludwig, Heinrich Mann,

Klaus Mann, Thomas Mann, Karl Marx, Erich Mendelsohn,

Robert Musil, Robert Newmann, Alfred Neumann, Iwan

Olbracht, Carl von Ossietzky, Ernst Ottwald, Leo Perutz,


Kurt Pinthus, Alfred Polgar, Theodor Pliever, Marcel

Proust, Hans Reimann, Erich Maria Remarque, Ludwig

Renn, Joachim Ringelnatz, Iwan A. Rodionow, Joseph Roth,

Ludwig Rubiner, Rahel Sanzara, Alfred Schirokauer

Schlump, Arthur Schnitzler, Karl Schroeder, Anna Seghers,


Upton Sinclair, Hans Sochaczewer, Michael Sostschenko,

Fyodor Sologub, Adrienne Thomas, Ernst Toller, Bernard

Traven, Kurt Tucholsky, Werner Türk, Fritz von Unruh,

Karel Vanek, Jakob Wassermann, Arnim T. Wegner, H. G.

Wells, Franz Werfel, Ernst Emil Wiechert, Theodor Wolff,

Karl Wolfskehl, Émile Zola, Stefan Zweig, Arnold Zweig.


Notas:

1. BÁEZ, Fernando. História Universal da Destruição dos Livros. Das Tábuas Sumérias à Guerra do Iraque. Tradução Léo Schlafman. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. P. 241.
2. Idem, p. 242.
3. Ibidem, pp. 249-50. Fontes originais, Enciclopédia Britânica e Enciclopédia Espasa-Calpe.

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