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Roberto Acioli de Oliveira

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24 de abr. de 2009

Purgatorium: A História de Uma Palavra (II)



Perdidos no Espaço

A antropologia mostrou a importância da noção de espaço, não só no urbanismo ou na geografia, mas especialmente no campo simbólico. Desdobramento disso, a noção de território não se restringe aos animais, pois o homem (não fosse ele mesmo um animal) pode ser muito mais facilmente compreendido se levamos em consideração seu comportamento em relação ao mundo que o cerca (incluindo o mundo que ele cria para cercá-lo). (imagens, O Último Julgamento, Hans Memling, 1433-1494; na imagem ao lado vemos o momento da morte, quando as almas eternas deixam os corpos)

Em A Dimensão Oculta, Edward T. Hall mostrou que o território é um prolongamento do organismo animal e humano, que depende do ponto de vista da cultura que o imagina e que é também uma interiorização do espaço organizada pelo pensamento. O espaço guarda uma dimensão fundamental dos indivíduos e das sociedades. Nesse contexto, organizar o espaço do além foi uma operação de grande alcance para a sociedade cristã.

“Quando se aguarda a ressurreição dos mortos, a geografia do outro mundo não é uma questão secundária. E pode esperar-se que exista uma relação entre a maneira como essa sociedade organiza o seu espaço aqui em baixo e o seu espaço no além, pois os dois espaços estão ligados através das relações que unem a sociedade dos mortos e a sociedade dos vivos. Entre 1150 e 1300, a cristandade entrega-se a uma grande remodelação cartográfica, sobre a terra e no além. Para uma sociedade cristã como a do Ocidente medieval, as coisas vivem e movem-se ao mesmo tempo – ou quase – sobre a terra como no céu, aqui em baixo como no além” (1)

O Lugar das Punições

O Purgatório se instala na crença cristã entre 1150 e 1250. Trata-se da hipótese da existência de um além intermediário entre céu e terra, onde certos mortos passam por uma provação que poderia ser abreviada pela ajuda espiritual dos vivos. A meio caminho entre a morte e a ressurreição, algo de novo pode acontecer a um ser humano. Uma parada onde são oferecidos suplementos para que certas pessoas alcancem a vida eterna. O julgamento dos mortos também é uma noção que permeia a idéia de Purgatório. Na verdade, um julgamento duplo, o primeiro no momento da morte, o segundo no fim dos tempos.

Uma espécie de processo judicial de abrandamento das penas em função de fatores diversos. A responsabilidade individual e o livre arbítrio do homem (culpado por natureza, devido ao pecado original) também entram nessa conta: seremos julgados pelos pecados pelos quais somos responsáveis. Existe uma ligação entre o Purgatório e o tipo de pecado “quotidiano”, “habitual”, que levará a concepção de pecado venial (perdoável). De fato, essa foi uma das condições para o surgimento do Purgatório, que será o lugar de purgação dos pecados veniais. (na imagem ao lado vemos o Purgatório, lugar do Julgamento dos pecados pelo tribunal divino, e o Céu)

O Terceiro Lugar Está Mais ou Menos no Centro

O Purgatório é um espaço situado entre o Paraíso e o Inferno, embora por muito tempo se confunda com este. Em seguida, enquanto lugar de purificação completa para os futuros eleitos, ele passa a se inclinar para o Paraíso, o que mostra que o Purgatório não constitui um verdadeiro ponto intermediário.

Ponto intermediário deslocado, não se situará no centro, mas num intervalo, apontando para o alto. Portanto, o Purgatório não está a meio caminho (não é equidistante) entre Céu e Inferno. Apesar dessa indefinição ou, talvez por conta dela, na Idade Média o Purgatório passa a fazer parte de um imaginário que se chamará de “maravilhoso”.

Seja como for, o Purgatório entra como um dos lugares do além e não faz sentido senão em relação aos outros lugares (Céu e Inferno). Foi aquele dentre os três que mais tempo levou para se definir e consolidar. (na imagem ao lado vemos o lado direito do tríptico de Memling, o Inferno)

“Estrutura lógica, matemática, o conceito de ponto intermediário está ligado a mutações profundas das realidades sociais e mentais da Idade Média. Não deixar mais sozinhos, cara a cara, os poderosos e os pobres, os religiosos e os laicos, mas antes procurar uma categoria mediana, classes médias ou ordem terceira, é tudo a mesma tentativa e reporta-se a uma sociedade transformada. Passar de esquemas binários [Céu x Inferno] para esquemas ternários é dar aquele passo na organização do pensamento da sociedade, cuja importância Claude Lévi-Strauss sublinhou” (2)

Notas:

1. LE GOFF, Jacques. O Nascimento do Purgatório. Lisboa: Editorial Estampa, 2ªed., 1995. P. 18.
2. Idem, p. 21. Na referência a Lévi-Strauss, Le Goff se refere ao estudo do antropólogo francês em relação às sociedades dualistas, “As Organizações Dualistas Existem?”, em Antropologia Estrutural.

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