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Roberto Acioli de Oliveira

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29 de abr. de 2010

Yasujiro Ozu e a Dissolução da Família



“Na verdade, Ozu
descreveu apenas
relações entre pais
e  filhos 
(...);   vendo  a
felicidade  e  a  tristeza
deles
, percebemos que
se trata do conceito
de homem de Ozu”


Tadao Sato (1)




A Família e o Cotidiano

De acordo com Donald Richie (2), existe apenas um grande tema em toda a obra de Ozu: a dissolução da família. Nos filmes que dirigiu, o cineasta japonês mostrou também que naquele país toda a vida social gira em torno de três locais: a casa, a escola e o escritório (3). Richie vai mais além, segundo ele, com exceção das primeiras comédias e de filmes como Capricho Passageiro (Dekigoroko, 1933), O que Foi que a Senhora Esqueceu? (Shukujo wa nani o wasurekata, 1937) e O Sabor do Chá Verde Sobre o Arroz (Ochazuke no aji, 1952), existem poucas famílias felizes nos filmes de Ozu. (imagem acima, Bom Dia, Ohayo, 1959; abaixo, Ervas Flutuantes, Akigusa, 1959)


Embora nos primeiros filmes as dificuldades familiares sejam superadas, em quase todos os filmes da fase madura de Ozu as pessoas estão se separando. Ainda que muitos personagens dêem sinais de estarem satisfeitos com a vida, sempre há sinais de que a família deixará de existir. É a filha que se casa e deixa o pai ou a mãe sozinho, como em Pai e Filha (Banshun, 1949), Também Fomos Felizes (Bakushû, 1951), Crepúsculo de Tóquio (Tokio boshoku, 1957), Dias de Outono (Akibiyori, 1960), A Rotina Tem Seu Encanto (Sanma no ajii, 1962). Existem também os casos em que os pais vão morar com um dos filhos, como Formei-me, mas... (Daigaku wa detakeredo, 1929), Filho Único (Hitori musuko, 1936) e Os Irmãos da Família Toda (Toda-ke no kyôdai, 1941). Este último também se enquadra no grupo dos que falam de quando o pai ou a mãe morrem, como em Era Uma Vez em Tóquio (também conhecido como Contos de Tóquio e Viagem a Tóquio, Tokio Monogatari, 1953) e Fim de Verão (Kohayagawa-ke no aki, 1961).


Famílias Proletárias e Famílias Burguesas 




A infelicidade é fruto
da condição humana








Pelo menos na época em que Richie escreveu seu livro sobre a obra de Ozu (publicado em 1974), o espectro da dissolução da família constituía uma catástrofe em países asiáticos como o Japão. Ao contrário de países ocidentais (ou ocidentalizados), onde deixar a família é considerado prova de maturidade (pois o conceito de si mesmo depende em grande parte das pessoas com quem o indivíduo vive, estuda ou trabalha), uma identificação com a família é necessária para uma completa identificação de si mesmo. Mas a ênfase de Ozu mudou, afirma Richie, no decorrer dos quase quarenta anos de carreira.


Nos primeiros filmes mais importantes, o cineasta enfocava as condições sociais extremas: a tensão causada pelo desemprego do pai em tempos difíceis, a incapacidade dos filhos em compreender a subserviência do pai que precisa manter o emprego, etc. Nos últimos filmes, Ozu passou a dar maior importância às pressões sobre a condição humana vindas de dentro do indivíduo. Richie lembra que a crítica caiu em cima de Ozu! Diziam que ele havia abandonado os “temas sociais sérios”, chegando mesmo a classificar como omissos seus filmes depois de 1933. Entretanto, Richie retruca, o erro da crítica foi acreditar que a “realidade proletária” seja mais autêntica do que a burguesa. Definitivamente, conclui Richie, não é verdade que a infelicidade aflora exclusivamente das injustiças sociais.


Ozu passou a reconhecer que a infelicidade é fruto de nossa condição humana, não da condição social. Nossa sina é aspirar a situações impossíveis de se atingir. Próximo ao final de Viagem a Tóquio, depois que a velha morreu alguns filhos disputaram coisas dela. Comentando o fato em particular, a irmã mais nova pergunta: “A vida não é decepcionante?”; com um sorriso, a cunhada responde afirmativamente. A família lutadora de classe média ou baixa, como em Coral de Tóquio (Tokio no Gassho, 1931) e Capricho Passageiro entre outros, também desaparece dos filmes de Ozu. A última delas está em Relato de Um Proprietário (Nagaya Shinshiroku, 1947). A partir de meados da década de 30 do século passado, com exceções, começa uma mudança que, nos anos do pós-guerra, levarão (também com exceções) a família de classe média-alta. Assim, conclui Richie, a vida com que Ozu se ocupa em tantos de seus filmes é a vida tradicional da burguesia japonesa. O que não quer dizer, insiste Richie, que essa vida tradicional seja menos afetada pelas verdades humanas universais. Esclarece ainda que...


“Se a família constitui o assunto quase invariável de Ozu, as situações em que se apresenta são surpreendentemente poucas. A maioria dos filmes trata de relacionamentos entre gerações. Freqüentemente um dos pais está ausente por morte ou desaparecimento (4), e compete ao cônjuge remanescente criar os filhos. A dissolução da família, já iniciada, completa-se pelo casamento do filho único ou mais velho, ou a morte do cônjuge restante. Em outros filmes, os membros da família afastam-se uns dos outros; os filhos tentam, às vezes com sucesso, reconciliar-se com a situação de casados (5). Ou, novamente, o filho considera sufocantes as restrições da família tradicional e, contra sua vontade, as desafia (6). Há, talvez, algumas outras variações desse tema, mas não muitas” (7)


Leia também: 

Yasujiro Ozu e Suas Famílias
Yasujiro Ozu e Suas Ironias

 Notas:

1. Citado em PARENTE, André; NAGIB, Lúcia (orgs). Ozu. O Extraordinário Cineasta do Cotidiano. São Paulo: Marco Zero, 1990. P. 18n11.
2. RICHIE, Donald. Ozu (1974). In PARENTE, André; NAGIB, Lúcia (orgs). Op. Cit., pp.15-8.
3. Seguindo a classificação de Donald Richie, filmes em que a casa predomina: Esposa de Uma Noite, Até o Próximo Encontro, Mulher de Tóquio, Mãe Tem Que Ser Amada, Filho Único, Os Irmãos da Família Toda, Era Uma Vez Um Pai, Uma Galinha no Vento, Pai e Filha, As Irmãs Munekata, Também Fomos Felizes, O Sabor do Chá Verde Sobre o Arroz, Viagem a Tóquio, Crepúsculo em Tóquio, Flor do Equinócio, Bom Dia, Dias de Outono, Fim de Verão, A Rotina Tem Seu Encanto, entre outros. A escola predomina em: Sonhos da Juventude, Rivais à Japonesa, Formei-me, mas..., Marchar com Alegria, Fui Reprovado, mas..., A Bela e a Barba, Onde estão os Sonhos da Juventude?, Coral de Tóquio, entre outros. O escritório predomina em: Vida de Assalariado, Começo de Primavera, entre outros, e, na opinião de Ozu, Eu Nasci, mas...
4. De acordo com Richie em: Mulher de Tóquio, Capricho Passageiro, Uma História de Ervas Flutuantes, Ervas Flutuantes, Filho Único, Os Irmãos da Família Toda, Era Uma Vez Um Pai, Pai e Filha, Crepúsculo em Tóquio, A Rotina Tem Seu Encanto, entre outros.
5. De acordo com Richie em: Um Casal em Mudança, A Beleza Física, Esposa Perdida, Iniciação ao Casamento, Um Albergue em Tóquio, O que Foi que a Senhora Esqueceu?, Uma Galinha no Vento, O Sabor do Chá Verde Sobre o Arroz, entre outros.
6. De acordo com Richie em: O Ator Tokkan Kozo, Senhorita, Eu Nasci, mas..., Capricho Passageiro, O Sabor do Chá Verde Sobre o Arroz, Crepúsculo em Tóquio, Flor do Equinócio, Bom Dia, entre outros.
7. PARENTE, André; NAGIB, Lúcia (orgs). Op. Cit., p. 18. 


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