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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

5 de dez. de 2010

O Mundo Infantil de Picasso (final)




Pablo Picasso
parecia tentar
não
“distorcer” as crianças
.
Até que
, no final da vida
dele
, elas sumiriam de
sua obra a segunda
e última vez






Criança: A Fronteira do Cubismo?


Por que Picasso não fazia figuras distorcidas quando se tratava de seus filhos? Como sabemos, os quadros que Picasso realizou em Royan durante a guerra eram bastante radicais em termos estilísticos. A distorção das formas era extrema, com se pode notar em Menino com Lagosta (1941). Entretanto, Werner Spies sugere maior atenção em relação aos quadros onde Picasso representou os próprios filhos. Neste caso, as distorções desapareciam. O próprio artista parecia perceber como um problema os limites da representação na articulação entre estilo e tema, já que inicialmente acreditava que o Cubismo não era apropriado para representar crianças. Em seus quadros com crianças, as posições vanguardistas de Picasso tendem a se atenuar. Nas palavras de Spies, a extrema dificuldade de compreensão do significado, assim como o desmembramento a que eram sujeitos a carne e os objetos na obra de Picasso, parava na porta do mundo infantil. Spies chega a dizer que os poucos exemplos em contrário são exceções que confirmam a regra (1).



Muito embora Picasso
houvesse realizado certo

número de desenhos de
Maya com variações
, ele
nunca alterou o nível de
realismo do primeiro (2)







As representações de crianças permaneceram em grande medida intocadas pelas variações que Picasso criou. As tumultuosas fusões formais vistas nos rostos e corpos em muitos dos ciclos de pinturas e desenhos são muito menos radicais quando da representação de crianças. Estão ausentes as metástases e mutações biomórficas que deformam as figuras e expressões. Picasso simplesmente nunca experimentou tais coisas no tema das crianças. A adolescência, por exemplo, aparentemente era um tabu. Nus sensuais e libidinosos, à maneira de Balthus ou Hans Bellmer, nada diziam a Picasso, também não há evidencia de que ele tivesse interesse pelo erotismo ao estilo Lolita. Por outro lado, era o corpo feminino, nu e adulto, que inspirava o artista ao ponto do frenesi estético. Picasso “preservou, como disse Spies, as crianças de sua família da deformação radical, tratando-as com “consideração e respeito”. “Consciente ou inconscientemente, Picasso parecia estar sujeito a algum grau de controle social, moral e estético” (3), sugere Spies. Mas ele vai além, concluindo que as crianças na obra de Picasso representariam uma espécie de superego, disciplinando o lado mais selvagem da natureza do artista. Em Minotauro Cego, levado por Uma Menina (1934) (primeira imagem do artigo), é como se Picasso exorcizasse seus demônios interiores de uma forma profundamente tocante. (imagem acima, à direita, Maya Avec une Poupée dans le Cheveux, 1943)

Crianças de Verdade



Os exageros e distorções
refletiriam as proporções
típicas da anatomia in
fantil.
A ênfase não está no belo,
mas apenas naquilo que é

exclusivamente infantil (4)





Em meados da década de 30 do século passado, os quadros mostrando crianças perdem completamente a tendência a evocação de estados idílicos – como nos períodos Azul e Rosa. As crianças de Picasso começam a exibir os gestos delas quando são apanhadas de surpresa. Os paradoxos do mundo infantil vêm à tona. Na opinião de Spies, as figuras graciosas de Picasso parecem agora explodir com uma vitalidade impiedosa e até cruel. Desse ponto em diante, o ponto de vista da criança na obra do artista espanhol se torna cada vez mais contemporânea. Ao invés de serem membros de uma comitiva privada, governada por um rígido decoro (que fazia de alguns de seus quadros ícones congelados da infância). Suas crianças agora têm um comportamento que lembra mais um jardim de infância montessoriano. As composições com mãe e crianças juntas são reveladoras. Picasso as mostra vivendo em mundos separados. Como em Na Frente do Jardim (1953) (abaixo, à direita), onde a solidão permeia e isola os adultos das crianças. Neste quadro Picasso não se insere como parte da família, mas ele insinua sua presença. No fundo vemos seu filho Claude brincando com um carro de brinquedo. Em primeiro plano, a silhueta fantasmática do artista com um lápis na mão (5).




Como disse Françoise Gilot,
uma de suas esposas e m
ãe
de Claude e Paloma
, Picasso
passava horas desenhando
e pintando os seus filhos
(6)







Com Primeiros Passos (1943) (imagem acima, à esquerda), Picasso adentra o mundo infantil de uma nova forma. Como o título indica, o que interessou o artista foi esse momento estranho e impressionante da atividade motora quando a criança “finalmente encontra seus pés”. O desafio está na extrema torção do pequeno corpo. Neste caso e mais tarde, quando Picasso desenhou e pintou Claude e Paloma, o movimento de uma criança pequena levaria a um número de distorções estilísticas inovadoras. Ainda assim, elas estão fundadas na realidade ao enfatizar detalhes característicos. Nas numerosas representações de Claude e Paloma no carrinho de bebê ou brincando, as proporções naturais da figura se mantêm bastante intactas (última imagem do artigo, Claude, com Dois Anos, e seu Pequeno Carro, 1949). Evidentemente, o volume de uma cabeça é ocasionalmente exagerado, ou mãos e pés são enfatizados como letras maiúsculas. No entanto isto, Spies acredita, corrobora a hipótese de que Picasso nunca empregou a distorção num sentido negativo enquanto desenhava ou pintava crianças. Estas distorções, Spies insistiu, nad a tem a ver com caricatura ou monstruosidade. Spies cita especificamente as críticas que Picasso recebeu na década de 50 do século passado: “Esse prazer no monstruoso se tornará tão familiar para ele que provavelmente não se sentira tentado a dispensá-la nos retratos de suas crianças” (7).

Picasso Não Imitava as Crianças



Picasso brincava co
m seus filhos,
mas também se apoderava dos brinquedos que ele
s recebiam de presente, usando-os para produzir metamorfoses inesperadas (8)





De acordo com Spies, Picasso se sentiu desafiado pelo modo de percepção das crianças (imagem acima, Criança com Pomba, 1943). Mas isso implicava saber como elas vêem o mundo, e não, ao contrário do que imaginam alguns, imitar o traço infantil. Para além da redução súbita de um motivo pictórico a contornos simples ou símbolos gráficos, a obra de Picasso não exibe quase nenhum traço de uma influência direta da arte das crianças. O artista realizou com o traço infantil a mesma coisa que fez em relação à arte africana, ao invés de reproduzir o visual da escultura daquele continente, ele se esforçou em descobrir o princípio subjacente ao desenho dela (9). Em seu livro sobre Picasso escrito na década de 30, Gertrude Stein afirmou que o simbolismo da escultura africana anda lado a lado com o paradigma da visão da criança, e ambos fornecem uma compreensão da abordagem conceitual adotada por Picasso no desenvolvimento do Cubismo. Segundo Stein, Picasso percebeu como a visão da criança pode ser fragment ária:

“Uma criança vê o rosto de sua mãe,
ela o vê de uma forma completamente diferente das outras pessoas
. Eu não estou falando do espírito da mãe (...). A criança a vê de muito perto, é um rosto grande para os olhos de um pequeno.
É certo que por algum tempo a criança apenas vê uma parte do rosto da mãe
. Ela conhece apenas um traço e não outro, um lado e não o outro. E, à sua maneira, Picasso conhece rostos como uma criança, e a cabeça e o corpo” (10)


Notas:

Leia também:

Seios na Cabeça: Conexão Seios (I), (II), (III), (Epílogo)
Rostos: Fisiognomonia (I), (II), (III), (IV), (V), (Epílogo)
A Cultura da Arma na América do Norte (I), (II), (III), (IV), (V), (final)
Sergio Leone e a Trilogia do Homem sem Nome
Algumas Mulheres de Fellini em A Doce Vida e Amarcord
Zurlini e o Deserto de Nossas Vidas
As Mulheres de Rainer Werner Fassbinder (XI)
O Cinema de Fassbinder e o Medo da Solidão
Ingmar Bergman e a Prisão do Espírito

1. SPIES, Werner. Picasso’s World of Children. New York/Munich: Prestel-Verlag, 1994. Pp. 75-6.
2. Idem, p. 78.

3. Ibidem.
4. Ibidem, p. 95.
5. Ibidem, pp. 90, 91 e 93.
6. Ibidem, p. 96.
7. Ibidem, p. 95.
8. Ibidem, p. 98.
9. Ibidem, pp. 96.
10. Ibidem, p. 108.

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