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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

29 de nov. de 2012

Nova Objetividade e Nazismo



 
Antes do 
final da guerra
essa  forma de arte
 havia sumido de cena, 
retornando apenas
a   partir   dos
anos 60 (1)




Flertando com o Inimigo

A vida piorou bastante para os artistas alemães entre 1930 e 1933. Apesar da grande crise econômica que se seguiu à derrota na Primeira Guerra Mundial, entre 1919 e 1923 ainda se conseguia fazer o mercado de arte funcionar. O clima político também se deteriorou, o que gerou as condições que faltavam para permitir a subida ao poder do Nacional Socialismo de Adolf Hitler, em 1933. Neste mesmo ano a Sociedade Kestner da cidade de Hanover, conhecida por sua dedicação à arte de vanguarda, organizou uma exposição curiosamente intitulada Novo Romantismo Alemão. Desde 1929, associações de arte e museus do interior do país já vinham realizando tais eventos de tendência conservadora. Artistas como Alexander Kanoldt, Georg Schrimpf e Franz Radziwill, originários do movimento artístico conhecido como Nova Objetividade (Neue Sachlichkeit) tiveram obras suas expostas no evento Kestner. O catálogo da exposição enfatizava a relação que o trabalho destes três artistas tinham em comum com o de Caspar David Friedrich (1774-1840) e Philipp Otto Runge (1777-1818), figuras de proa do Romantismo alemão que os nazistas tanto enalteciam. Apesar desse tipo de conexão, Sergiusz Michalski não acredita que se possa afirmar que a então declinante Nova Objetividade indiretamente esteve entre os precursores do estilo da arte fascista que começava a se esboçar. (2). (imagem acima, A Família do Fazendeiro Kalemberg, Adolf Wissel, 1939; abaixo, Triunfo da Morte, Felix Nussbaum, 1944)



“Em dívida
com a tradição,
tanto       quanto
com  a vanguarda, a
Nova    Objetividade
pretendia  chegar  à 
posição de um estilo
de   arte    realista
da    época   em
que existiu” (3)



Para os teóricos de arte do nazismo, a Nova Objetividade não passava de um movimento de segunda categoria no universo da arte durante a República de Weimar (1919-1933), o qual era odiado pelos hitleristas. De qualquer forma, a partir de 1933, muitos artistas ligados à Nova Objetividade perderão seus empregos nas escolas de arte alemãs. Alguns da geração mais nova, como Albert Heinrich, Georg Siebert, Werner Peiner e Bernhard Dörries, fizeram carreira durante o regime nazista, embora os artistas nazistas mais radicais os identificassem em função de certa timidez e embaraço. Enquanto isso, Kanoldt e Radziwill, que Michalski caracteriza como membros idealistas do partido nazista, serão indicados para novos postos de ensino – Radziwill, focado no realismo mágico, chegou a participar do pavilhão alemão na Bienal de Veneza em 1934 (4). Por ironia do destino o pacifista Schrimpf se torna um protegido do nazista Rudolf Hess. Embora Michalski admita que Kanoldt e Franz Lenk tenham procurado resistir à pressão e até ajudaram colegas perseguidos (Lenk incluiu quadros de Otto Dix numa de suas exposições), seus contemporâneos da vanguarda viam a situação com outros olhos. Especialmente quando os nomes de Kanoldt, Schrimpf e Lenk foram os únicos citados pelos nazistas ao apontarem quais os nomes da vanguarda que estariam dispostos a aceitar. (imagem abaixo, à esquerda, Solo Germânico, Werner Peiner, 1933; última imagem do artigo, Os Condenados (Die Verdammten), Felix Nussbaum, 1944)



O  movimento  da
Nova    Objetividade
  não tinha um programa,   
mas  se  pode  dizer  que 
ela  foi pós ou mesmo 
anti-expressionista (5)



Mas essa fase durou pouco, a partir de 1937 os nazistas já não sentiam necessidade de fazer concessões. Dezessete quadros de Kanoldt foram retirados de museus e de coleções privadas durante o confisco de obras de arte ocorrido durante a campanha da Arte Degenerada. Evidentemente ele também teve de deixar sua vaga na academia de Berlim-Schöneberg, Schrimpf seguiu o mesmo caminho para fora da mesma academia e seus quadros apareceram na exibição Arte Degenerada no final de 1937 – ambos morreriam nos dois anos seguintes. Lenk se retirou da via pública em 1938, em protesto contra a política cultural dos nazistas. Radziwill seria banido pelos nazistas no mesmo ano. De acordo com Michalski, o rompimento dos nazistas com a Nova Objetividade se justifica devido às premissas de ambos. Os últimos nunca se concentraram em pintar louros com corpos de aço, também mostravam pouco interesse por imagens idílicas de fazendeiros rodeados pela natureza, e menos ainda por amazonas louras a espera de um guerreiro teutônico, sem falar nas pinturas nazistas mostrando corpos nus. Dos temas encontrados na arte nazista (sangue puro, sentimento de comunidade, a verdade incorporada no solo, força, pureza racial, sensação de segurança), Michalski aponta apenas o último como ponto de contato com temas fundamentais da nova objetividade. A única exceção seria os afrescos realizados por Kay Nebel em Schleswig, em 1926.


Notas:

Leia também:

Arte Degenerada
Estética da Destruição
A Nova Objetividade de Otto Dix
Caligari e a Trilha Sonora de Um Delírio
O Mundo Expressionista de Dostoiévski?
O Duplo que Kafka não Queria Ser?
Meu Nome é Espaguete

1. MICHALSKI, Sergiusz. New Objectivity. Neue Sachlichkeit – Painting in Germany in the 1920’s. Köln: Taschen, 2003. P. 202.
2. Idem, pp. 195-202.
3. Ibidem, p. 202.
4. ADAM, Peter. The Arts of the Third Reich. New York: Thames & Hudson, 1992. P. 109.
5. MICHALSKI, Sergiusz. Op Cit., pp. 16, 20.

29 de out. de 2012

A Nova Objetividade de Otto Dix









 (...)  Se é particularmente
atingido por sua ênfase no 
lado feio do homem (...) (1)








Vários nomes famosos do Expressionismo na pintura alemã dos anos 1920 serão reencontrados nas listas de pintores pós-expressionistas. Otto Dix (1891-1969) foi um desses nomes, que também se tornaria sinônimo da Nova Objetividade (Neue Sachlichkeit), o movimento que sucedeu o Expressionismo. “Assim como a exposição Nova Objetividade no Kunsthalle de Mannheim marcou o fim da era expressionista, o suicídio do escritor Walter Rheimer em 12 de junho de 1925 com uma overdose de morfina o realizou num sentido existencial. Com a publicação do primeiro volume de Minha Luta, de Hitler, em julho de 1925, os primeiros sinais fatais de uma nova era já estavam visíveis. O episódio artístico final foi a estréia da ópera Wozzeck, de Alban Berg, em 14 de dezembro de 1925, uma obra teatral cujo libreto e música remontam a 1915-21” (2). Algumas cidades alemãs passaram a identificar vertentes da Nova Objetividade, cada uma com seu enfoque particular da realidade. Embora tenha trabalhado em Düsseldorf e Berlim, Dix se identificava com Dresdren, sua cidade natal. (imagem acima, Flanders, 1934; abaixo, à direita, Os Sete Pecados Mortais, 1933)






Após voltar
da  guerraDix
confessou que seus 
quadros   anteriores
não      conheciam
completamente
o lado feio da
realidade






Um “realismo proletário” marcaria o interesse temático de Dix, seus retratos frequentemente mostravam os despossuídos (desempregados, prostitutas, bêbados, jovens proletários depravados, moças grávidas e miseráveis) e os mutilados que sobreviveram à Primeira Guerra Mundial para vegetar nas ruas em meio aos milhões de desempregados e economia em frangalhos da Alemanha de então. O pintor admitiu que sua experiência durante a guerra (ele serviu o exército durante quatro anos) chamou sua atenção para esse lado do ser humano. O objetivo de Dix era capturar as pessoas como elas realmente são. Mas isso não excluía a ênfase em certas características dos retratados, a ponto de exagerar detalhes até que esses indivíduos se tornem tipos. O pintor procurava ultrapassar os clichês ao tentar retratar as tensões internas das pessoas através de jogos de cores. A guerra também tornou Dix um homem intolerante com a hipocrisia da sociedade burguesa, as pessoas se escondiam atrás de roupas, máscaras e prazeres para não ter de olhar os mutilados pelas ruas. A Nova Objetividade surgiu no horizonte de Otto Dix a partir de 1919, em função de uma rejeição da emoção expressionista. Do ponto de vista de dix, a profusão de cores do Expressionismo era uma contradição, para mostrar as coisas como realmente são, é preciso um tom mais escuro. Dix vê a sim mesmo como um repórter e seus quadros devem ser executados com uma impiedosa objetividade! (3). (imagem a seguir, Pais do Artista (Die Eltern des Künstlers I), 1921; última imagem, Menino da Classe Operária, 1920)






“Os expressionistas
produziam   muita  arte. 
Nós queríamos ver as coisas
totalmente nuas e claras,
quase  sem  arte”

Otto Dix (4)



Para Justin Hoffmann, seria impreciso falar em “fim do Expressionismo” a partir de 1918-19. De fato, forças conservadoras levaram a uma reviravolta cultural, ao mesmo tempo em que se exauriu o sonho de estabelecer o Expressionismo como o elemento cultural dominante. Nas artes visuais, a reavaliação do potencial cultural restante levou ao crescimento de movimentos de vanguarda até então periféricos como Dadaísmo, Construtivismo, Pintura Metafísica. A Nova Objetividade estava nesse meio, a exposição de Mannheim que lançou o movimento é concomitantemente a certa estabilização das condições políticas e econômicas da conturbada República de Weimar (5). Contudo, o Expressionismo continuou sendo difundido até o final da década de 20, verificando-se especialmente uma mudança de meios, como foi o caso da arquitetura e do cinema expressionistas (6). Durante discurso em 1933, Josef Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler, fez um comentário: “Onde então alguém pode encontrar absoluta objetividade? É esta ausência de tendenciosidade que é perigosa (...)” (7). Richard Taylor interpretou o ataque à busca de objetividade como um ataque aos valores fundamentais (as dúvidas críticas e incertezas) que para ele balizam a ordem política liberal. Contudo, é bem provável que as palavras desdenhosas de Goebbels remetam à Nova Objetividade, totalmente inserida naquilo que eles chamavam de “arte degenerada”.




De acordo com
o  discurso  nazista
e anti-semita em geral, 
a Nova Objetividade  era
uma  moda  internacional
sem alma, coisa de judeus
e marxistas  que  nunca
poderiam entender
a alma alemã (8)







Notas:

Leia também:


1. MICHALSKI, Sergiusz. New Objectivity. Neue Sachlichkeit – Painting in Germany in the 1920’s. Köln: Taschen, 2003. P. 53.
2. BEIL, Ralf. Foreword. In: BEIL, Ralf; DILLMANN, Claudia (Eds.). The Total Artwork in Expressionism: art, literature, theater, dance and architecture, 1905-25. Ostfildern, Alemanha: Hatje Cantz Verlag, 2011. Catálogo de exposição. P. 18n1.
3. MICHALSKI, Sergiusz. Op. Cit., pp. 53-4, 61.
4. Idem, p. 61.
5. BEIL, Ralf. “For me there is no other work of art”. The Expressionist Total Artwork – Utopia and Pratice. In: BEIL, Ralf; DILLMANN, Claudia (Eds.). Op. Cit., p. 39.
6. HOFFMANNN, Justin. From Storm to Revolution. Politics and Arts After World War I. In: BEIL, Ralf; DILLMANN, Claudia (Eds.). Op. Cit., p. 148.
7. TAYLOR, Richard. Film Propaganda. Soviet Russia and Nazi Germany. London/New York: I. B. Tauris, 2009, 2ª ed. P. 210.
8. ADAM, Peter. The Arts of the Third Reich. New York: Thames & Hudson, 1992. P. 39.

6 de set. de 2012

Uma Baleia Politicamente Incorreta?





Em  1896  um
navio  arpoou  um
Cachalote  na costa  da
Flórida. Antes de morrer,  
cinco outros Cachalotes
atacaram o navio, que 
quase afundou (1)




Durante um bom tempo chamar alguém de baleia era uma ofensa, especialmente num país narcisista como o Brasil. Sinônimo de invisibilidade social nesse país que se vangloria de ser (inexplicavelmente) classificado como “feliz”, os gordos e as gordas evitam contato visual até mesmo uns com os outros. Quis o destino que a partir da década de 70 do século passado as baleias passassem a ser valorizadas como símbolo dos animais (e do planeta) em extinção. Contudo, mesmo assim, a maioria dos/as obesos/sas continua sendo visto e se vendo com desprezo por um mundo paradoxal que enaltece a magreza, mas que gasta milhões com propaganda para convencer as pessoas a comer lixo para que as indústrias ganhem dinheiro. Pelo menos por enquanto, as baleias estão sobrevivendo e proliferando. Apanhada na rede de uma linguagem midiática que passou a considerá-la um “gigante gentil”, nem sempre foi assim. Embora na literatura e na música que atendem ao rótulo de “Nova Era” a baleia seja “vendida” como símbolo de vida, figuras bizarras com o Leviatã do Antigo Testamento estão mais inclinados a forças de natureza maligna (imagem abaixo, ilustração de Gustave Doré, 1865). Moby Dick, sua transfiguração na literatura do século XIX, atesta esse fato. A baleia branca do romance de Herman Melville é a vilã do mundo natural que, além duplicar o interesse cada vez maior nos vilões humanos (seja na literatura, na televisão, no cinema e no Congresso Nacional do Brasil), atravessa como um grande arpão a imagem do gigante gentil. (imagem acima, Le Balenier, William tuner, 1845)






No ano de 1820, 
o baleeiro Essex arpoou
 um Cachalote no Pacífico Sul. 
O animal bateu contra o navio até afundá-lo.  Restaram  apenas
 três  sobreviventes e um
bote salva-vidas (2)







As baleias povoam muitas histórias fantásticas, parábolas religiosas, apólogos e fábulas morais e filosóficas. A literatura ocidental não podia ficar de fora. Até que Moby Dick aparecesse, o público dispunha somente de obras menores sobre o ofício do caçador de baleias – em 1956, surge uma versão hollywoodiana da saga, com Gregory Peck no papel do lunático capitão Ahab; mais uma versão para o cinema surgiu em 2011. Diga-se de passagem, numa época (o século XIX) em que o óleo de baleia era o combustível utilizado em lampiões, seria evidentemente conveniente que o grande cetáceo fosse visto como um monstro impiedoso, ainda que na maioria absoluta das espécies o comportamento dócil e curioso facilitasse sua caça – a baleia Franca, comum nas costas brasileiras, é chamada de Right Whale (Baleia Certa) pelos baleeiros europeus e norte-americanos apenas porque é fácil de arpoar e, depois de morta, ela flutua. Salvo pela única espécie de baleia que parece ter dito “não” para o ser humano. A baleia Cachalote (Physeter Macrocephalus) é a protagonista de Moby Dick, cujo comportamento desafiou o capitão Ahab. Melville escreveu o livro após passar algum tempo nos mares do sul em 1840, e consta que a caracterização de Moby Dick se baseou em dois cachalotes “históricos”. A primeira atacou e afundou o baleeiro Essex no Oceano Pacífico em 1820. A segunda foi um cachalote “branco como a neve” avistado em 1810 na ilha de Mocha, na costa do Chile, e que um jornalista descreveu no jornal em 1839 como “Mocha Dick”. O capitão Ahab convence sua tripulação a perseguir o monstro e acaba morrendo preso nas cordas dos arpões fincados no corpo da grande baleia branca que, apesar do simbolismo da paz inerente a esta cor no Ocidente, não está nem aí para os seres humanos (3).


Notas:

Leia também:

Antonioni na China
AntonioniDocs#43/50
Homunculus e a Saga do Frankenstein Alemão?
Ettore Scola e o Filme Dentro do Filme

1. WATSON, Lyall. Sea Guide to the Whales of the World. New York: E. P. Dutton, 1981. P. 174.
2. Idem, p. 175.
3. COUSTEAU, Jacques-Yves; PACCALET, Yves. La Planète des Baleines. Paris: Robert Laffont, 1986. Pp. 263-4.


31 de ago. de 2012

O Deus Tubarão e o Bicho Homem


 

Nas artes
as referências
ao tubarão surgem no
século XIX. Por outro lado,
e como sugere Moby Dick,
naquela época a baleia
parecia apavorar
ainda mais





Os polinésios falavam de Kauhuhu, o deus tubarão que ficava numa grande caverna, palácio de onde nenhum visitante jamais retornou. Segundo a mitologia dos aborígenes da Austrália, o tubarão tigre Bangudja atacou um homem golfinho no golfo de Carpentária, aí deixando uma grande mancha vermelha que ainda pode ser vista hoje nas montanhas da ilha de Chasm. Os indígenas das ilhas Salomão, cuja religião é povoada por espectros, espíritos e outras manifestações sobrenaturais, acreditam que os corpos dos tubarões são habitados pelos fantasmas dos mortos. Entre os índios norte-americanos que habitavam a costa do Oceano Pacífico, as representações picturais de “cachorros do mar” eram frequentes, em memória de uma mulher que foi levada por um tubarão para se tornar um deles. Com exceção dos povos do Pacífico, as outras culturas jamais tiveram um tubarão como símbolo. As lendas europeias nunca mencionam esse animal, igualmente ausente das fábulas de Esopo. No mundo ocidental, os tubarões surgirão apenas nos livros de história natural ou nos livros de bordo dos marinheiros, onde se fala muito dessas criaturas às vezes de grande tamanho e muito misteriosas. De acordo com Richard Ellis, foi apenas recentemente que o terror em torno da imagem do tubarão entrou em nossa consciência coletiva, e talvez o cinema tenha muito a ver com isso. Depois de Tubarão (Jaws, direção Steven Spielberg, 1975), adaptação de um best-seller de Peter Benchley, espalhou o pânico pelo mundo (1). (imagem acima, Watson and the Shark, John Singleton Copley, 1778; abaixo, The Gulf Stream, Winslow Homer, 1899; há quem diga que o tubarão em primeiro plano na segunda pintura é uma cópia do tubarão da pintura de Singleton)


As poucas
pinturas do século
XIX que mostravam
 tubarões, sempre como
 animais ferozes, foram consideradas muito
 deprimentes, sem 
interesse



Em 1952, Ernst Hemingway fez referência ao tubarão em O Velho e o Mar. Antes disso, Willian Shakespeare fez o mesmo no século XVII, em Macbeth (ato IV, cena 1). Ellis resgatou em 1987 o relato de Moses, um indígena da ilha de Malaita, no arquipélago das ilhas Salomão, no Pacífico sul. Nessa lenda antiga, Moses conta que três anos antes estava pescando e um tubarão se prendeu em sua rede. Ele o levou para a praia e o soltou, em nenhum momento o animal tentou mordê-lo. Na terra de Moses, desde tempos imemoriais, seu povo convive com os tubarões, que são considerados seres humanos. Eles salvam os seres humanos de afogamentos e os guiam pelo mar. Entretanto, aparentemente, os aborígenes de outras partes não são respeitados, mas comidos pelos tubarões. Moses explicou que a razão disso está na lenda de uma mulher que deu a luz um tubarão, desde então o peixe é venerado e deixaram de atacar os humanos da laguna onde vive seu povo. O espírito daquela mulher entrou no tubarão, razão pela qual venerar o tubarão é o mesmo que venerar os ancestrais da tribo. Em certa ocasião festiva, o povo de Moses “chama” os tubarões até a praia e oferece a mesma carne de porco que eles estão comendo. Enquanto isso, mulheres e crianças nadam entre os tubarões, falando com eles e os acariciando. Não tentem lidar com os tubarões como o povo de Moses, a não ser que tenham o corpo “blindado” (fechado?), como certos políticos brasileiros.


Nota:

Leia também:

1. ELLIS, Richard. Mythe et Realite. In: STEVENS, John D. Les Requins. Paris: Bordas, 1987. Pp. 170-183.
 

28 de jul. de 2012

O Homem-Crocodilo e a Carne dos Machos


Etnias que habitam as margens do rio Sepik na Papua-Nova Guiné acreditam que o crocodilo é seu ancestral, fato que rememoram através de um ritual de iniciação particularmente doloroso. Cerimônias de iniciação acontecem a aproximadamente cada quatro a sete anos, envolvendo toda a comunidade com uma tremenda quantidade de trabalho. Um grande recinto é construído em torno da Casa dos homens, onde os iniciados ficarão isolados de algumas semanas a um ano inteiro. A iniciação compreende uma sucessão de rituais planejados para testar a força física e fibra moral daquele prestes a se tornar homem, assim como para afastá-lo da influência da mãe. Os rituais também têm como função ensinar ao iniciado a tradição da comunidade. A escarificação é certamente o ritual mais doloroso e difícil de suportar – ao contrário da moda de escarificação que invadiu o Ocidente, a eventual utilização de anestésicos naturais não tem exatamente a função de eliminar a dor, já que esta é parte do processo de iniciação. Na noite que precede ao acontecimento, o iniciado irá percorrer a aldeia numa longa fila representando o wagen, o retorno do crocodilo ancestral. Na manhã seguinte, os iniciados são levados para o recinto esse deitam de cabeça para baixo sob canoas viradas. Acompanhados por seus tios maternos, aqueles que estão prestes a se tornarem homens recebem ajuda quanto à melhor forma de passar pela provação. (ao lado, um exemplo de representação do crocodilo ancestral, máscara da etnia Iatmul)

 Nessa hora homens adultos começam a cortar com lâminas afiadas as costas, ombros, tórax e pernas dos próximos futuros homens adultos. Acredita-se que o sangue que escorre das feridas está ligado ao sangue menstrual, naquela cultura isso significa que ele deve ser eliminado daqueles corpos para prevenir o envelhecimento precoce daqueles novatos. Grandes flautas e apitos ressoam durante toda a cerimônia de corte da pele. Esses sons são a voz do crocodilo ancestral, que devorou os noviços e deixou as marcas de seus entes na pele deles. Então os meninos são lavados no rio e suas feridas untadas com um óleo especial. Aplicações diárias com certas plantas são feitas com o objetivo de aumentar o inchaço dos cortes. Após vários dias as cascas são retiradas e os noviços devem observar uma série de tabus alimentares durante todo o período de cicatrização (por exemplo, não comer enguias). Em seguida a um forma de confissão de suas faltas passadas aos anciãos da aldeia, os noviços serão informados sobre seu povo, as leis da comunidade, a história do clã e certos mitos ancestrais, assim como seu futuro comportamento e responsabilidades dentro do casamento. A cerimônia de iniciação termina com um banho ritual no qual o iniciado é esfregado com folhas especiais. A iniciação é um segundo nascimento simbólico e integra os homens jovens no clã de seus pais, além de criar um elo entre as gerações. O homem jovem iniciado pode agora entrar na Casa dos Homens, casar-se e ter filhos. Eles ostentam orgulhosamente as cicatrizes deixadas pelo grande crocodilo ancestral. Marcas que os identificam para sempre como homens-crocodilo (1).


Nota:

Leia também:

1. Mayer, Anthony JP. Art Océanien. Paris: Librairie Gründ, Volume 1, 1995. Pp. 232-3.

27 de jun. de 2012

O Homem-Lama e Sua Turma


Não se trata aqui dos políticos brasileiros - suas máscaras são muito difíceis de compreender, ainda que facilmente identificáveis. Estamos na porção oriental da Papua-Nova Guiné, grande ilha situada ao sul do Oceano Pacífico e ao norte da Austrália, onde ainda existem grupos indígenas relativamente isolados e com seus costumes razoavelmente não contaminados por hábitos de consumo ocidentais (pelo menos até que as redes de televisão do mundo os estuprem com seus repórteres e suas câmeras). Algumas dessas nações indígenas são mundialmente reconhecidas pela beleza e complexidade de suas máscaras e pintura corporal e facial. Ao contrário do que possa parecer, o que une os seres humanos são suas diferenças, algumas culturas humanas cobrem os corpos da cabeça aos pés, enquanto outras os desnudam completamente (seja porque vivem na selva ou porque buscam maior contato com seus corpos, ou, ainda, porque os vendem como mercadoria). Em relação a vários de seus vizinhos, os Homens-Lama da Papua não podem ser considerados os mais criativos em termos de pintura corporal e máscaras.

Por outro lado, devemos ter em conta que a função da lama na cultura Papua é bastante abrangente. É uma prática comum cobrir o rosto, a cabeça e até o corpo todo com barro/argila em toda a Oceania (fonte da fotografia, Malcolm Kirk). Além de sinal de luto depois da morte de um parente, também pode ter como função ocultar-se do espírito da pessoa morta. Malcolm Kirk afirma que o barro seco se esfarelando na pele já foi comparado à pele em decomposição de um cadáver (1). Em outras áreas, a lama também possua uma função preponderante em cerimônias de iniciação dos garotos. A função da lama entre os Homens-Lama da região do rio Asaro é de outra ordem. Certa vez sua aldeia foi atacada, os guerreiros fugiram e se esconderam no lamaçal da margem do rio. Depois de algum tempo, alguns deles voltaram para verificar se os inimigos haviam se retirado. Entretanto, na medida em que rastejavam até a aldeia, a lama secou em seus corpos. Ao avistarem aquelas figuras, o inimigo as confundiu com espíritos malignos e fugiu (2). Para aqueles que conhecem a fama dos políticos brasileiros, é difícil imaginar a lama como uma fonte de proteção – embora os faça realmente parecer espíritos malignos.

Notas:

Leia também:


1. KIRK, Malcolm. Les Papous. Peintures Corporelles, Parures et Masques. Fribourg /Suisse: Medea Diffusion S.A., 1986. P. 21.
2. PETER, Hanns. Protective Clay: Symbol of Mourning and Death. In: GRÖNING, Karl. Decorated Skin. A World Survey of Body Art. London: Thames and Hudson, 1997. P. 83.


28 de mai. de 2012

Arte do Corpo: Annie Sprinkle




O palco
de Annie Sprinkle
é seu próprio
corpo





Annie Sprinkle é o nome de guerra de uma atriz pornô norte-americana que começou a fazer performances com temas relacionados à sexualidade – ela também é/foi prostituta, stripper, dominatrix (aquela que exerce o papel de dominadora em relações sexuais sadomasoquistas), produtora de filmes de sexo e escritora pornô. Entre as décadas de 80 e 90 do século passado, ela se graduou em fotografia e sexualidade humana. Ela ficou famosa em 1990 quando apresentou Public Cervix Announcement, uma cena de Post Porn Modernism (1990), no palco de um teatro burlesco. Depois de falar sobre seus vários empregos na indústria pornô (ilustrando suas conquistas através de gráficos), masturbar-se e tomar um banho, Sprinkle reconsta numa cadeira no palco, abre as pernas e introduz um espéculo na vagina. A partir daí, convida a plateia a se aproximar para olhar (com a ajuda de uma lanterna) diretamente para o colo do útero de Sprinkle – invariavelmente, uma fila se forma na frente do palco. Durante todo o tempo de cabeça erguida olhando direto para o público, ela inverte as relações de poder entre sujeito e objeto (1).

Rebecca Schneider insiste a aparição de Sprinkle (e outras atrizes com performances sexuais) nos espaços tradicionalmente reservados à arte seriam bem vindos, no sentido de que permitem o debate renovado sobre o estatuto da arte. Segundo Schneider, os contextos da arte sempre foram tradicionalmente considerados domínio da forma simbólica, portanto implicando um distanciamento estético de “desinteresse”. A pornografia ameaça esse desinteresse, inundando o ambiente com sexualidade “interessada”. No emaranhado de questões implícitas em trabalhos que desafiam a arte através da pornografia, o colapso do simbólico no literal e vice-versa é fundamental, afirma Schneider. Colapso que é duplicado por outro, da obscenidade na sacralidade e vice-versa – assim como Sprinkle e outras migraram da pornografia para a arte, outras mulheres fizeram o caminho inverso. Em qualquer um desses casos, o palco dessas mulheres é seu próprio corpo. Schneider compara a performance de Sprinkle duas obras famosas que mostram o corpo feminino, uma pintura, A Origem do Mundo (Gustave Courbet, 1866), e uma instalação, Etant Donnés: la chute d’eau; le gaz d’eclairage (Marcel Duchamp, 1946-66).

Os dois mostram praticamente apenas a genitália feminina, podendo ser considerados pornográficos. Porém Annie Sprinkle vai além, ela mostra seu rosto de mulher (2).

Notas:

1. WARR, Tracey; JONES, Amelia. The Artists Body. London: Phaidon, 2000. P 110.
2. SCHNEIDER, Rebecca. The Explicit Body in Performance. New York: Routledge, 1997. Pp. 16-7, 64.

24 de abr. de 2012

Pornografia e Imagem



"O mais
profundo
é a pele"

Paul Valéry (1871-1945)




No que diz respeito ao mundo Ocidental, o século XX mostrou tudo em matéria de arte erótica. Esta é a opinião de Paul Ardenne, para quem as razões podem ser encontradas no impudor da própria arte do século XIX. De A Origem do Mundo (1866), de Gustave Courbet, até Made in Heaven (1990), onde Jeff Koons se mostra com sua então esposa (a atriz pornô Cicciolina) numa cena de sexo, um longo caminho foi percorrido – de fato, as artes pré-cristãs grega e romana talvez fossem até mais explícitas. Forma dissimulada do desejo em ação, a arte cultiva o obsceno que a moral (burguesa) reprova. No âmbito da arte, ou fora dele, a figura erótica se arrisca a banalizar sua exibição (especialmente em tempos de internet) - algo talvez impensável em outros tempos de repressão sexual. A superexposição nos levará ao dia quando o sexo deixará de ser desejável? (que o consumidor desvie o olhar, este seria o pior pesadelo das agências de propaganda!). Se a exibição excita, o exibicionismo pode levar ao efeito inverso (1). Em 1966, Niki de Saint Phalle apresentou Figure Hon (= ela) em Estocolmo. Uma boneca gigante deitada de barriga para cima com uma abertura na vagina, por onde o visitante pode penetrar. Questões simbólicas remetendo ao ventre maternal (e à heterossexualidade) enquanto espaço protetor parecem evidentes. Por outro lado, como sugeriu Gilles Neret a respeito de Figure Hon, o desejo pode ser lúdico (2). (as imagens pertencem ao calendário da empresa de imagem EIZO)






A distância entre arte
erótica e pornografia tem
mais relação com o estilo
do  que  com  o  tema





A imagem do “sexo”, mostrar o sexo, não se restringe apenas a imagens de corpos evocando certas situações. Se admitíssemos juntamente com Freud uma dimensão libidinosa da criação artística, toda a arte estaria ligada à sexualidade – a psicanálise faz da arte um efeito da sexualidade. Seja como for, Freud acaba por dessacralizar a criação artística ao torná-la um efeito de outra coisa. O que representa então uma imagem do corpo num sentido estritamente “erótico”? Considerando o sugerido acima, tal questão deixa de ter sentido. Uma natureza morta? Uma paisagem? Um retrato de família? Uma vaca pastando? O pornográfico então acaba sendo apenas uma questão “geométrica”, uma estética purista, uma arrumação sem desejo entre corpo e objetos. De acordo com Ardenne, as fotografias de um Robert Mapplethorpe teriam de “sexual” apenas sua temática. De fato, afirma Ardennes, a imagem “sexual” é uma imagem construída. Ela se torna sexual caso se organize de forma a ativar o desejo: a dimensão espetacular, o potencial atrativo e excitante, a possibilidade de identificação por parte do espectador oferece uma articulação possível com a obra/fotografia/escultura/etc. Atualmente, mais do que nunca, sacrificamos o corpo através do sacrifício à imagem. Consumir a perdição da figura, até que a ausência da materialidade daquilo que ela representa se torne evidente (e nos massacre). Com uma função criminal tanto quanto sacrificial e estética, seria a relação humana com as imagens uma pulsão de morte? (3)




Leia também:

Roma de Antonioni
As Marionetes dos Mistérios de Antonioni
O Expressionista Desconhecido
Fausto e Mefistófeles Segundo Murnau
Arte do Corpo: Natacha Merritt, Veruschka, Cindy Sherman, Carolee Schneemann, Shigeko Kubota, Yoko Ono, Jan Saudek, HR Giger, Leigh Bowery, A Dança das Trevas, As Cabeças de Gerhard Lang

Notas:

1. ARDENNE, Paul. L'Image Corps. Figures de l'Humain dans l'Art do XX Siécle. Paris: Éditions du Regard, 2001. Pp. 291-2.
2. NÉRET, Gilles. Arte Erótica. Köln: Benedikt Taschen, 1994. P. 68.
3. ARDENNE, Paul. Op. Cit., pp. 251-3, 444.

20 de mar. de 2012

Roma de Mussolini




“Hoje em Roma,
para cada lugar que
alguém encontra o nome
de Mussolini raspado de
uma placa ou coluna
,
existe um outro que
permanece
(...)(1)



Repagina
ndo o Eterno

Durante boa parte dos seus vinte anos no poder, Benito Mussolini empreendeu uma interferência urbanística profunda na capital da Itália. Il Duce pretendia reconstruir a cidade à sua própria imagem como o ponto central de sua “revolução fascista”. Às muitas camadas de história entranhadas nas paredes dos prédios e monumentos em Roma, Antiguidade, Idade Média, Renascença e Barroco, deveriam juntar mais uma: o período fascista. Muitos foram os prédios medievais postos abaixo pelo sventramento, nome pelo qual ficou conhecida a intervenção fascista em Roma. Como resultado, muitos dos monumentos que podemos ver e visitar hoje em dia foram redescobertos, e várias avenidas foram abertas. De fato, segundo Borden Painter, a cidade carrega uma marca fascista que mudou a forma como nós olhamos para ela atualmente. Fora do centro histórico, destacam-se áreas inteiras ou “cidades” construídas pelos fascistas: Foro Mussolini (hoje Foro Itálico), a cidade para esportes e educação física, a Cidade Universitária de Roma, o bairro EUR e a famosa Cinecittà. Com o final da guerra, procurou-se apagar o legado arquitetônico fascista, mas o pouco que se conseguiu foi retirar e derrubar algumas placas e estátuas de Mussolini. Passadas muitas décadas de negação dos fatos, hoje se admite que a Cidade Eterna foi transformada pelo Fascismo (2). (imagem acima, Mussolini no Stadio dei Marmi em 1939; inalgurado em 1932, e ostentando sessenta estátuas vindas de sessenta cidades italianas, ele se parece muito com o estádios usado pelos abastados da elite rica em Metropolis, o famoso filme mudo realizado pelo alemão Fritz Lang, em 1927)



“A definição que
o Fascismo dá de si

mesmo e de sua função
histórica é vista mais
claramente em Roma
do que em qualquer
outro lu
gar” (3)



Em 1938, Il Duce realizou uma visita triunfal a vários canteiros de obras da cidade. Dentre eles estava a larga e nova Via del Mare que, fazendo a ligação entre a Piazza Venezia e o Circus Maximus, expusera construções antigas como o Teatro de Marcellus, o Arco de Janus e os templos de Vesta e Fortuna Virilis. Os arquitetos que serviam a Mussolini haviam removido prédios e barracos do Circus Maximus vários anos antes e o transformaram no local de exibições e demonstrações fascistas. Logo ali, o edifício África ficava próximo ao obelisco de Axum, trazido da Etiópia como um símbolo do império fascista (a partir de 2005 ele seria devolvido). Atualmente, o prédio abriga a Organização das Nações unidas para Comida e Agricultura (FAO). A Via del Mare agora se chama Via del Teatro di Marcello, mas a rua fascista continua lá, assim como os edifícios fascistas que a ladeiam. O complexo de esportes conhecido como Foro Mussolini se tornou o Foro Itálico, mas o obelisco com o nome de Mussolini continua lá, assim como os mosaicos fascistas, placas comemorativas e edifícios da década de 30. A Viale Adolfo Hitler mudou de nome para Viale delle Cave Ardeatine e comemoração as vítimas da ocupação nazista da Itália. De acordo com o historiador da arquitetura Spiro Kostof, não é possível erradicar o legado de Mussolini à cidade Eterna. Por toda Roma encontram-se ruas, estádios, estações de trem, escolas, correios, complexos de apartamentos e estruturas de todo tipo construídos durante o período fascista. Fora da cidade, mas incluído no projeto urbano de Roma, os pântanos Pontine foram drenados. Na terra ganha foram fundadas cinco cidades na década de 30: Littoria (atual Latina), Sabaudia, Pomezia, Pontinia e Aprilia. (imagem acima, à direita, os Mercados de Trajano ao centro, no canto direito, parte do monumento a Vitorio Emmanuel; entre eles, a Via dei Fori Imperiali)



Antes de se tornar
um fascista, Mussolini
achava que Roma era um
parasita. Com o tempo, ele
compreendeu a importância
dessa cidade na construção
de uma ideologia que
unisse o passado e
o presente
(4)



O regime fascista ofereceu certo número de razões como justificativa para promover as mudanças da paisagem urbana de Roma. Eliminar edifícios velhos e muitas vezes decrépitos abriria espaço em torno de sítios imperiais antigos, como o Teatro de Marcellus, para exibição, deixando orgulhosos aos italianos e inspirados e estupefatos aos turistas. O espaço ganho permitiria a construção de novas e mais largas avenidas para receber mais tráfego. As moradias derrubadas, habitualmente caracterizadas pelo regime como favelas insalubres, levariam a uma Roma mais saudável. O governo mudaria os moradores para novas áreas fora do centro da cidade (conjuntos habitacionais, as borgate), onde passariam a viver em melhores condições (mas isso também poderia ser usado para controlar os trabalhadores, especialmente aqueles com tendências antifascistas). Quando a guerra chegou ao território italiano em 1943, fazia anos que a cidade era um grande canteiro de obras. Alguns projetos interrompidos só seriam retomados e terminados uns vinte anos depois, como foi o caso do bairro EUR (abreviatura de Esposizione Universale di Roma, 1942). Planejado para tornar-se um retrato da Roma moderna, foi concluído na década de 60 com, mesclando prédios oficiais, de empresas e apartamentos de classe média. É provável que sua aparição mais famosa nas telas do cinema italiano tenha sido em O Eclipse (L’eclisse, 1962), realizado por Michelangelo Antonioni. (imagem acima, à esquerda)




O único aspecto
geralmente lembrado
são os conjuntos habitacionais
problemáticos afastados do centro
da cidade, destino dos moradores
de baixa renda retirados
dos cortiços




A materialização dos projetos começou em 1920, os projetos do Largo Argentina e da abertura da Via del Mare ao lado do Capitoline deixariam uma marca do Fascismo nas áreas históricas. A construção de uma “cidade do esporte”, o Foro Mussolini, representou algo totalmente novo e totalmente dentro da estética fascista. O caso do Largo Argentina é bastante ilustrativo para se compreender até onde vai a desinformação a respeito do projetor urbanístico de Mussolini. Os trabalhos começaram em 1926 ele foi aberto ao público em 21 de abril, dia tradicional do “aniversário” de Roma. Os planos de intervenção naquela área são anteriores ao regime fascista, mas somente em 1926 o desejo de demolir os prédios se materializou. Em 1925, o entorno era uma bagunça de vielas e moradias em péssimo estado de conservação – a confusão seria um legado da desordem urbanística que se seguiu a 1870, quando a Itália conseguiu se tornar um país unificado. A destruição de uma construção do século XVI, a igreja de San Nicola ai Cesarini, revelou o primeiro de quatro templos antigos. Comunicado sobre o fato, o Duce compareceu ao local em 1928 e ordenou a suspensão das demolições: “eu iria me sentir desonrado se permitisse que uma nova estrutura subisse aqui um metro que fosse” (5). Atualmente, as ruínas são visíveis abaixo do nível da rua. Em 1968, Bernardo Bertolucci filmou algumas seqüências de Partner (última imagem do artigo) nos Mercati Traianei (Mercados de Trajano, outro sítio histórico que Mussolini decidiu não destruir), que também são localizados abaixo do nível da rua - defronte ao Monumento a Vitorio Emmanuel (Vitoriano, o “altar da pátria”), que Mussolini não começou, mas ajudou a terminar em 1935; entre os dois, a Via del Impero (atualmente Via dei Fuori Imperiali), que começa no Coliseu e termina na Piazza Venezia, avenida onde Mussolini realizava muitos desfiles militares. (imagem acima, à direita, a borgata de Tiburtino III; abaixo, à esquerda, Os Vencidos {I Vinti, direção Michelangelo Antonioni, 1953}, mostrando o estádio construído por Mussolini a partir das casas dos ricos em Parioli, do outro lado do estádio havia uma favela)


Parioli é um bairro
com apartamentos de
luxo e estádios desde os
anos 30
. Em OsVencidos,
Antonioni teria mostrado
a favela que surgiu bem
em frente
, nos 50, mas
a censura vetou


O regime fascista patrocinava uma revista de turismo escrita em inglês chamada Travel in Italy (Viagem na Itália). Romano de nascimento, em 1954 o cineasta Roberto Rossellini realizou um filme chamado Viagem à Itália (Viaggio in Italia). Especialmente se, ao assistirmos ao filme, descobrimos tratar-se de um casal inglês que vai passar um tempo na casa de um parente em Nápoles (e não em Roma). Não há notícia de que os especialistas em cinema italiano tenham estabelecido alguma conexão entre os dois títulos, mesmo que a guisa de anedota. Os compêndios de cinema costumam festejar um filme de Rossellini realizado alguns anos antes, em 1945, Roma, Cidade Aberta (Roma Città Aperta). Alguns vão além e incluem o filme numa trilogia que caracterizam como antifascista. Mas apenas poucos se lembram que o mesmo Rossellini realizou uma outra trilogia, desta vez fascista, quando trabalhava financiado por Mussolini e seu filho Vittorio. Em tempo, Mussolini, que se auto proclamou cidadão romano, nasceu na região de Forlì, ao sul de Veneza. Em Roma, se mudou do palácio Chigi para o Palácio Venezia, diante da Piazza Venezia (praticamente no centro geográfico da “Roma de Mussolini”), onde a massa se reunia para ouvi-lo. Il Duce seria derrubado em 1943 quando da invasão das tropas aliadas na Itália, ele ainda fundaria uma “república de Salò” de curta vida ao norte do país com a ajuda de Hitler. Em 1945 o fim era inevitável, Mussolini foi morto e seu corpo pendurado em praça pública. Seria apenas uma coincidência que isso tenha ocorrido na cidade de Milão e não em Roma?


(...) Bem ou mal,
a Roma de ho
je não
é apenas a cidade dos
imperadores romanos
,
papas Católicos e reis
italianos
. É também a
‘Roma de Mussolini’”
(6)

Antonioni e a Trilogia da Incomunicabilidade (IV)
Rossellini e Sua Europa (I)
Blow-Up: Antonioni e a Ficção da Realidade

1. PAINTER, Borden W. Mussolini’s Rome. Rebuilding the Eternal City. New York: Palgrave Macmillan, 2005. P. 153.
2. Idem, pp. vii, xv, xvi, 2, 3, 6, 7, 8, 155.
3. Ibidem, p. xv.
4. Ibidem, p. 2.
5. Ibidem, 8.
6. Ibidem, p. xix.

20 de fev. de 2012

Hollywood e as Guerras Patrióticas




“Estamos
prontos  para
nos  afastar do curso
agradável e rentável do
entretenimento  para
nos  envolver  em
propaganda?” (1)

Production  Code  Administration,
memorando interno, dezembro, 1938






A Balela do Bem Contra o Mal

A Segunda Guerra Mundial começou na Europa com a invasão da Polônia pelas tropas de Hitler em 1939. Até aquele momento, havia um debate em torno da possibilidade de os Estados Unidos participarem diretamente – durante um bom tempo, o máximo que fizeram foi mandar suprimentos e equipamento para a Europa e uma esquadrilha não oficial, conhecida como Tigres Voadores, operava na China contra o avanço japonês. Mas então veio o ataque nipônico à base naval norte-americana em Pearl Harbor em dezembro de 1941 e os argumentos dos chamados Isolacionistas (políticos que eram contra o envolvimento no conflito) já não encontravam ouvidos receptivos. Até aquele momento, os grandes estúdios de Hollywood vinham produzindo filmes de guerra relativamente neutros. Entretanto, com o ataque japonês, os estúdios saíram de cima do muro, já que não havia mais a possibilidade de almejarem os mercados invadidos, seja na Europa, seja na Ásia. A adesão foi absoluta, dos mil e duzentos filmes produzidos em Hollywood entre 1942 e 1945, mais de quinhentos tratavam da guerra de uma maneira ou de outra. Por ocasião do ataque japonês, alguns prédios receberam pinturas de camuflagem. Talvez por se sentir preterido pelo fato de alguns dos estúdios da Warner Brothers na Califórnia não receberem pintura (e pelo fato de se assemelharem às fábricas de aviões militares quando vistas do alto), Jack L. Warner pintou um aviso irônico no telhado de uma delas que indicava a direção das fábricas reais. Naturalmente, logo as autoridades militares ordenaram sua retirada! (2) (imagem acima, Missão em Moscou, cartaz provavelmente direcionado à América Latina, apresentando o genocida soviético Joseph Stalin com cara de vovozinho inocente)




Filmes com
aviões  sempre
foram  populares.
Toda a contribuição da
aviaçã
o durante a Segunda
Guerra Mu
ndial apenas
tornaria o tema ainda
mais interessante
do ponto de vista
comercial (3)




Rápidos para capitalizar o espírito do momento, seis estúdios simultaneamente contataram a Motion Picture Association para garantir os direitos autorias da frase “Lembre-se de Pearl Harbor” (“Remember Pearl Harbor”). Três estúdios imediatamente correram para registrar seus direitos pelo título “Nos mandem mais japoneses” (“Send us more japs”). A frase foi dita pelo piloto norte-americano Colin Kelly, que morreu nas Filipinas nos primeiros dias da guerra. Os títulos registrados variavam entre “Tributo para Kelly”, Kelly o Terceiro” e “Kelly dos Estados Unidos da América” (“Kelly of U.S.A.). No caso dos filmes de guerra planejados para mostrar a Força Aérea (naquela época ela ainda era um componente do exército), o grande problema então passou a ser a quase total indisponibilidade de aviões modernos para as filmagens, e a utilização de seqüências reais de combate aéreo filmadas em batalhas nos anos anteriores nem sempre eram indicadas. De qualquer forma se, desde os acontecimentos de 1939, 68% do público norte-americano era contra o envolvimento do país na guerra, agora era justamente o contrário. Se até antes de Pearl Harbor Hollywood só havia produzido pouco mais de cinquenta filmes em torno de temas antinazistas, agora a situação mudou radicalmente e até Walt Disney começou a produzir desenhos animados maniqueístas caricaturando nazistas e japoneses como idiotas e/ou malucos – depois da guerra, e com o advento da Guerra Fria, o interesse dos Estados Unidos na Alemanha e no Japão fez com que esses desenhos fossem rapidamente banidos. (cartaz acima, à direita, Os Tigres Voadores)

Céu de Brigadeiro Para Hollywood


Hitler e Mussolini
conheciam a força do
cinema para conquistar
os corações e mentes do
público. Quando os dois
perderam a guerra, os
norte-americanos
dominaram a
distribuição




James Farmer relatou suas impressões ao descobrir em 1969 um terreno em Culver City (Califórnia) onde se encontravam vários aviões militares da Segunda Guerra em variados estados de apodrecimento. Eram algumas dezenas de aeronaves da chamada “Força Aérea MGM”, uma referência ao estúdio da Metro Goldwyn Mayer. Farmer chegou na hora que a MGM estava leiloando o “ferro-velho”, aviões fora de serviço que o estúdio comprou das forças armadas na década de 40 para utilizar em seus filmes. Eram bombardeiros B-17 (como os que se pode ver em Almas em Chamas, Twelve o’Clock High, direção Henry King, 1949) e B-24 e um B-29 que apareceu em dois filmes, The Beginning or the End (direção Norman Taurog, 1947) e Above and Beyond (direção Melvin Frank e Norman Panama, 1952). Longas-metragens já do pós-guerra, retratavam Paul Tibbets, o piloto do B-29 Enola Gay, que jogou a bomba atômica em Hiroshima – os atores Barry Nelson e Robert Taylor representaram o papel de Tibbets, no primeiro e segundo filmes respectivamente. Também se podiam ver aviões torpedeiros e caças como o P-38 Lightning que Irene Dunne tenta roubar em Dois no Céu (A Guy Named Joe, direção Victor Fleming, 1943); ou ainda, o F-4 U-1A Corsair que voará muito tempo depois, na segunda temporada da série Black Sheep Squadron da NBC (1976-78). Mas Hollywood tratava bem os alemães até 1941, edições inglesas de periódicos germânicos como Signal e Der Adler (revista oficial da força aérea nazista) tinham grande circulação nos Estados Unidos. (imagem acima, à esquerda, quadro retirado de um cine jornal produzido pelo Instituto Luce, 1937. A frase "O cinema é a arma mais forte", encimada pela figura de Mussolini utilizando uma câmera de filmagens, evidencia a importância dada por ele a esse meio)

O objetivo disso, de acordo com Farmer, era encorajar a neutralidade do país, simultaneamente projetando imagem de uma Luftwaffe moderna e invencível e o colapso iminente da força aérea britânica. O cinema de Hitler também chegava aos Estados Unidos já em 1939. Em Goal in the Clouds (Ziel in dem Wolken, direção Wolfgang Liebeneiner) os personagens procuram desenvolver aviões capazes de aterrorizar os países vizinhos, e D.III-88, The New German Air Force Attacks (D.III-88, direção Herbert Maisch e Hans Bertram, 1940) expandiria o tema. Filmes descritos como “propaganda” por Farmer, que cita ainda Stukas (1941) e Legion Condor (ambos com direção de Karl Ritter, 1939). Neste último, em suas palavras, “voluntários” alemães se apresentam para lutar na guerra civil espanhola. Quando os Estados Unidos entra na guerra, a falta de imagens de combates aéreos para Hollywood foi suprida em parte por estes filmes. Por conta disso, Farmer aponta a incongruência histórica de filmes como Tigres Voadores (Flying Tigers, direção David Miller, 1942). Ambientado na China, não existiam os JU-86 alemães da legião Condor que aparecem e também caças Spitfire ingleses do também inglês The Lion has Wings (direção Alexander Korda e outros, 1939) inseridos como dublês dos P-40 Warhawks norte-americanos! O futuramente famoso cineasta italiano Roberto Rossellini realizaria três filmes de propaganda das forças armadas de Mussolini, para a aeronáutica com Un Pilota Ritorna (1942), para a marinha com La Nave Bianca (1942) e para o exercito com L’uomo dalla Croce (1943).

O Cinema e o Mundo... Livre




É curioso constatar
como apenas os filmes
do perdedor são vistos
como propaganda
de mau gosto






É muito comum encontrar críticas e estudos a respeito da manipulação promovida no cinema pelos órgãos de propaganda de Hitler. É assim, por exemplo, que um filme como Mocidade Heróica (Hitlerjunge Quex: Ein Film vom Opfergeist der deutschen Jugend, direção Hans Steinhoff, 1993) será considerado propaganda barata, enquanto Os Carrascos Também Morrem (Hangmen Also Die!, 1943) apresenta um personagem principal nazista caricato, da fase de Fritz Lang nos Estados Unidos, contando ainda com um roteiro escrito por Bertold Brecht (ambos fugidos da Alemanha de Hitler e precisavam “se fazer úteis” aos Estados Unidos) (imagem acima, à esquerda). O fato de que os clichês neste filme sejam menos sutis do que no primeiro é mero detalhe. Em Mocidade Heróica, os personagens comunistas são retratados como bêbados e bandidos, enquanto Hollywood lançava Missão em Moscou, um filme pró-soviético (primeira imagem do artigo). Fala-se muito sobre a maneira horrível como os judeus foram retratados em filmes nazistas como O Judeu Eterno (Der Ewige Jude, direção Fritz Hippler, 1940), mas quantos ouviram falar de Know your Enemy – Japan, documentário dirigido por Frank Capra em 1945 onde os japoneses eram mostrados a partir de estereótipos racistas? (4) (Imagem abaixo, à direita, 30 Segundos Sobre Tóquio {30 Seconds Over Tokio, 1944}; filme baseado em fatos reais que reconstitui um irrelevante ataque norte-americano ao Japão logo após o triunfante ataque japonês a Pearl Harbor. O objetivo explícito era levantar o moral dos norte-americanos)





De 1934 até a década de
50
,   ao  cinema nos Estados
Unidos não era garantida a

liberdade de expressão (5)






Mas pouco se fala a respeito da postura do governo de Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) durante a guerra em relação ao cinema. Durante a Segunda Guerra, o governo norte-americano estava convencido de que filmes poderiam mobilizar a opinião pública a favor da entrada no conflito. Clayton Koppes e Gregory Black mostram até que ponto chegou o envolvimento do governo em Hollywood. Integrantes do Office of War Information (OWI), agência do governo para a propaganda, cumpriam as seguintes tarefas: Publicaram um manual instruindo os estúdios em como ajudar no esforço de guerra; assistiam a reuniões da cúpula de Hollywood; analisavam os roteiros de cada grande estúdio (exceto com a Paramount), pressionavam para modificações e destruíam filmes considerados questionáveis; e, às vezes, chegaram mesmo a escrever os diálogos (6). É curioso que até hoje se fale dos filmes realizados durante o nazismo como pura propaganda, enquanto os filmes de propaganda realizados pelos norte-americanos continuam a passar na televisão e/ou estar disponíveis em dvd’s. Poderíamos citar Missão em Moscou (Mission to Moscow, direção Michael Curtiz, 1943), produzido para gerar um ambiente pró-soviético nos Estados Unidos (eles eram os únicos capazes de enfrentar Hitler naquele momento), está repleto de mal entendidos e incongruências do ponto de vista histórico. Contudo, terminada a guerra, o governo norte-americano trata de encomendar filmes que fizessem o público odiar/temer os russos... Era a Guerra Fria (7).

Puro Entretenimento Puro




(...) Os filmes da capital
do cinema ocupavam 80 %
da
s telas do mundo na década
de 30
, e os tablóides e revistas de
fotografias de Paris a Pequim
, de
Roma ao Rio
, davam grande
atenção a Hollywood” (8)






A OWI tinha considerável influência com o Escritório de Censura, que expedia licenças de exportação e controlava a exibição de filmes norte-americanos nas áreas libertadas. Uma vez que a exibição no estrangeiro muitas vezes determinava a diferença entre lucro e prejuízo para um filme, os executivos dos estúdios consideravam muito conveniente seguir os conselhos do OWI. Desta forma, o governo acabou conseguindo exercer considerável influência em relação ao conteúdo dos filmes de Hollywood em tempo de guerra. Contudo, Koppes e Black consideram enganoso focar apenas na influência do governo. Essa experiência durante a guerra só poderia ser compreendida no contexto mais amplo da censura imposta pela própria indústria. Se a intromissão do governo era algo novo, a censura surgiu praticamente junto com Hollywood. Em sua forma mais acabada, era exercida pela Production Code Administration (PCA), uma ramificação do Motion Picture Producer and Distributors of America – mais conhecido como Escritório Hays, em função de seu chefe de longa data, William Harrison (Will) Hays. Um dos paradoxos da história do cinema norte-americano afirma Koppes e Black, é que quando Hollywood era mais popular ela era também firmemente controlada por uma oligarquia empresarial e um rígido código de censura. (acima, à esquerda, John Wayne em Os Tigres Voadores; abaixo, à direita, Dois no Céu)






Hollywood só
assumiu  a  auto
-censura
por uma razão pura
mente
mercadológica





Desde 1915 a indústria norte-americana do cinema tinha problemas, pois a Suprema Corte decretou que o cinema não era nada além de um “puro e simples” negócio, sendo assim não estariam incluídos na garantia de liberdade de expressão promulgada na Primeira Emenda da Constituição. Foi justamente por iniciativa de Hays que Hollywood estabeleceu sua auto-censura em 1934. Naquela época, a sociedade norte-americana ainda estava sendo duramente afetada pela Grande Depressão. Hays percebeu que a profusão de filmes de gangster, apelos cada vez maiores à nudez (feminina) nas telas e roteiros que se aprofundavam em questões sociais, poderiam incitar o governo federal a agir, com possíveis desastrosas conseqüências para o “negócio”. Em 1934, a cúpula da Igreja Católica nos Estados Unidos lançou uma campanha nacional para “purificar” Hollywood. Desde 1930 já havia um código de conduta, os bispos forçaram Hays a acatá-lo em troca do fim do boicote. O código era um misto de moralidade católica e postura burguesa, a transgressão da lei seria sempre punida, não haveria exposição da carne, não haveria homens e mulheres na cama juntos (mesmo se casados), falar de aborto estava fora de questão, assim como a homossexualidade e o controle de natalidade. O crime e a corrupção deveriam ser mostrados como aberrações individuais, nunca como problemas sistêmicos.

“(...) Na maior parte dos círculos literários e intelectuais, contudo, o código era regularmente denunciado como o pior tipo de censura – aquela dos ‘fanáticos sexuais’. Eles condenavam especialmente as restrições relativas a temas sociais e políticos do código Hays.

“Sempre controversas, as mensagens nos filmes [norte-]americanos ganharam uma nova urgência quando o mundo mergulhou na guerra em 1939. A guerra foi um tema irresistível para Hollywood, mas isso também ameaçava as confortáveis e lucrativas pretensões do código e a doutrina do ‘puro entretenimento’. Esta foi uma ‘guerra total’, como os políticos e especialistas entoaram incessantemente. Como as nação foi orientada para a guerra até ao mais íntimo detalhe da vida diária (...), os filmes se tornaram um instrumento privilegiado para persuasão pública. A guerra trouxe o envolvimento mais contínuo e íntimo jamais visto na América [do Norte] entre o governo e uma mídia de cultura de massa, já que a administração Roosevelt fez pressão sobre Hollywood para realizar longas-metragens que eram veículos de propaganda. O conflito entre os estúdios e o governo, e a eventual cooperação entre eles, ajudou a formar a opinião pública durante e depois da guerra. O relacionamento entre os propagandistas do governo e uma mídia de cultura de massa colocou em destaque questões cruciais a respeito de como o público é mobilizado para a guerra e o controle de uma mídia popular, mas empresarial. Hollywood 1939: o palco estava pronto para uma luta na mídia de cultura popular dominante, a respeito de demandas conflitantes de política, lucros e propaganda” (9)

Uma Coisa é Uma Coisa... Outra Coisa é Outra Coisa 



“O espetáculo
que começou em 9 de
setembro
, 1941, exigiu os
melhores talentos de Hollywood
e do Senado dos Estados
Unidos
duas instituições [norte
-]americanas
que
, sejam quais fossem suas
intenções sérias
, não eram
estranhos à ilusão ou
ao melodrama” (10)




Havia um grupo de políticos nos Estados Unidos que defendia a neutralidade dos Estados Unidos em relação às questões européias. Chamados de isolacionistas, eles afirmavam na época que a indústria do cinema de Hollywood estaria paulatinamente inserindo elementos de propaganda política em seus filmes, cujo objetivo primário deveria ser o puro entretenimento. Alegaram que possuindo o monopólio da produção e distribuição de filmes, os presidentes dos grandes estúdios utilizariam seu poder para incentivar a participação dos Estados Unidos na guerra ao alardear a perseguição a que estavam sendo submetidos os judeus na Europa – os isolacionistas chegaram a mencionar que seria natural por parte desses presidentes, já quem em grande parte eram judeus também (11). Mas tudo isso mudou quando o Japão atacou o país em 1941 – a guerra na Europa havia começado em 1939. Até então, os estúdios em Hollywood vinham se adaptando à situação. Quando Hitler, bem antes de 1939, exigiu que os empregos na Alemanha fossem ocupados apenas por arianos, os grandes estúdios norte-americanos rapidamente demitiram seus funcionários judeus que trabalhavam na terra do Führer – ainda que, como sabemos, os próprios donos fossem judeus. (imagem acima, à esquerda, Almas em Chamas; abaixo, à direita, Nossos Mortos Serão Vingados {Wake Island, direção John Farrow, 1942})






Aparentemente,
caso os Estados Unidos
não  entrassem  na guerra
,
Hollywood teria continuado
a agradar Hitler para não
perder o mercado
alemão






Acontece que a indústria norte-americana do cinema era muito dependente de suas exportações, assumindo uma postura conivente com os desmandos de Hitler. Contudo, além de já estar perdendo o mercado alemão desde 1937, depois de 1941 Hollywood começará a produzir filmes antinazistas, o que faz com que o líder alemão proíba a importação de filmes norte-americanos – o que não significa que Josef Goebbels, Ministro da Propaganda nazista deixasse de admirar a maneira como Hollywood conseguia produzir entretenimento anestesiante. Foi então que Hollywood se voltou para os interesses propagandistas (rentáveis para eles) do governo Roosevelt. Em 1938, a United Artists produz Bloqueio (Blockade, direção William Dieterle), um filme que comenta a Guerra Civil Espanhola que estava então ocorrendo – na qual Hitler e Mussolini tiveram papel ativo ao lado do futuro ditador Francisco Franco, cuja ditadura, aliás, sobreviveria a ambos. No ano seguinte, Confissões de Um Espião Nazista (Confessions of a Nazi Spy, direção Anatole Litvak) foi baseado em caso verídico, espiões nazistas foram presos nos Estados Unidos.

Glorificação da Guerra?



Com Sargento 
York,   o  cinema
hollywoodiano deixa d
e
recear temas políticos e passa
a assumir uma postura
intervencionista

agressiva (12)




Com o acirramento das batalhas, Hollywood multiplicou seus temas. Da marinha de guerra à infantaria, da força aérea à marinha mercante, todas as armas do teatro de operações receberam uma “roupagem moral”. A Casa Branca estava agradecida, como Roosevelt deixaria claro no Oscar em 1941. Agradeceu a “esplêndida cooperação com todos que estão dirigindo a expansão de nossas forças de defesa”, e apelou por suporte continuado. Lowell Mellett, que fazia a ligação entre a presidência e a mídia afirmou em 1941: “Praticamente tudo sendo mostrado na tela, de cine jornal à ficção que toca nossos objetivos nacionais, é do tipo correto”. O patriotismo é um dos ingredientes, mas Mellett também atribuiu o apoio ao “fato de que a indústria do cinema está consciente do Departamento de Justiça”. Na época Fritz Hippler, que comandava o cinema de Hitler, afirmou que se os filmes de Hollywood carregam os “ideais de uma nação livre” através do mundo, então “os ideais [norte-americanos] devem ser diversão leve” (13) – Goebbels detestava filmes políticos, substituindo propaganda por entretenimento (14). Ao contrário de outros veículos de comunicação norte-americanos, o cinema custou para falar da guerra. Por outro lado, sua estrutura oligopolista engendrava um produto político monolítico. Isolacionistas como o Senador Gerald P. Nye, contrário à entrada dos Estados Unidos no conflito, dizia que Hollywood glorificava a guerra ao invés de entreter, drogando a razão do povo com a febre da guerra (15). (imagem acima, à esquerda, A Yank in the R.A.F.; abaixo, à direita, Comboio Para o Leste)




Com frases de
Roosevelt ditas pelo
próprio, Comboio Para o
Leste
(16), um filme sobre
os heróis sem glamour
da marinha mercante,
agradou muito aos
envolvidos na
propaganda
de guerra




Em meados de 1941, contam Koppes e Black, os filmes ultrapassaram outro limiar. Sem fazer julgamentos políticos explícitos, alguns deles estabeleciam proposições intervencionistas por analogia. Em pelo menos dois filmes os norte-americanos estavam tão ligados no perigo que corria a Inglaterra que se alistaram na Força Aérea Real para tomar parte ativa na batalha contra o Nazismo. A presença de pilotos norte-americanos na força aérea britânica (R.A.F.) durante a Batalha da Inglaterra será apontada em A Yank in the R.A.F. (direção Henry King). Ronald Reagan, futuro presidente republicano dos Estados Unidos na década de 80, atuou em International Squadron (direção Lothar Mendes e Lewis Seiler) (imagem abaixo, à esqurda) como um piloto norte-americano na R.A.F., ele morre no final devido a suas “falhas morais”. No primeiro filme, protagonizado por Tyrone Power, originalmente seu personagem morria no fim. Contudo, temendo que os norte-americanos concluíssem que eventualmente poderiam morrer na guerra, os ingleses solicitaram uma mudança e Power sobrevive (17). O crítico do New Herald Tribune Howard Barnes defendeu o filme com essas palavras:



“Os Isolacionistas
sem  dúvida  ficarão
horrorizados  com  o  novo
filme no Roxy.
A Yank in the R.A.F.
não apenas admite que haja uma guerra
sendo travada,
mas de forma muito
franca fica do
lado dos galantes pilotos 
britânicos que salvaram um fragmento
da Europa para a democracia há
um ano...
A Yank in the R.A.F.
talvez seja a comercialização
da guerra. É isso que faz
dele um entretenimento

de valor na tela” (18)




O tipo de abordagem de A Yank in the R.A.F. atingiria seu ápice com Sargento York (Sergeant York, 1941), que pretendia mostrar a história de Alvin York, um pacifista que acabou se tornando um herói na Primeira Guerra Mundial quando matou uns vinte soldados alemães e capturou 132 no campo de batalha. Depois que ele foi recebido com uma parada na 5ª Avenida em 1919, tentou-se sem sucesso fazer um filme sobre o evento. Em 1940, Alvin foi procurado novamente para contar sua história nas telas e ajudar outros soldados que estivessem passando por uma crise de consciência. Ele concordou em vender o roteiro em troca de cinqüenta mil dólares – supostamente para a construção de uma escola religiosa. E foi Alvin que sugeriu Gary Cooper para o papel principal. Depois de um dia e uma noite questionando as demandas conflitantes entre a Bíblia e a guerra por uma suposta democracia, York optar pela guerra ao concluir: “a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”.

O Grande Ditador




(...) Hitler tinha de
ser ridicularizado”

Charles
Chaplin





De acordo com Koppes e Black, talvez o filme antifascista mais significativo do período tenha sido uma produção independente (em relação a Hollywood). Charles Chaplin produziu, escreveu e atuou em O Grande Ditador (The Great Dictator, 1940). Ele foi pressionado a cancelar o projeto – sugeriram que poderia prejudicar os judeus que ainda estavam na Alemanha... Chaplin contou que autoridades na United Artists (que ele fundou com Douglas Fairbanks, Mary Pickford e D.W. Griffith), a realizadora do projeto, lhe disseram ter sido avisados pelo Escritório Hays que poderiam ser censurados. Mas Chaplin respondeu que “(...) estava determinado a ir em frente, porque Hitler tinha de ser ridicularizado” (19). Já em 1938 o Cônsul alemão em Los Angeles manifestará oposição ao projeto. No ano seguinte, a censura inglesa avisou que nenhum personagem vivo podia ser representado na tela sem consentimento por escrito - com o início da guerra isso não é mais problema. Joseph Breen, diretor do PCA, saúda o filme como “entretenimento soberbo” - mas solicita o corte da palavra proibida lousy (nojento, sujo), na cena em que Hannah experimenta chapéus. Breen suspeitava que, através de Hollywood, judeus estariam usando o tratamento dispensado pelos nazistas aos judeus na Alemanha para fazer filmes de propaganda – chegou a identificar o epicentro dessa “conspiração” na Hollywood Anti-Nazi League. Dois anos depois, em Hollywood, Ernst Lubitsch também procurou rir de Hitler em Ser ou Não Ser (To Be or Not To Be, 1942)

O Grande Ditador não pode ser classificado como um “filme de ódio”, porque sugere que nem todos os alemães odiavam judeus. Essa abordagem era uma fórmula hollywoodiana, mas também uma diretiva do PCA. Alemães maus deveriam ser contrabalançados por alemães bonzinhos. O PCA utilizava essa fórmula para evitar controvérsias – os políticos podiam ser corruptos, mas nem todos; os advogados podiam ser charlatões, mas nem todos –, aplicando-a inclusive aos alemães. Embora isso nem sempre ocorresse, vide um filme maniqueísta onde todos os nazistas são maus como Man Hunt (direção Fritz Lang, 1941), o PCA exigiu que Hollywood continuasse a reforçar uma doutrina de imparcialidade, pouco importa o quão maléfico fosse o regime político. Os Carrascos Também Morrem seguira o mesmo padrão, os nazistas são brutais (ou ridículos como Heinrich Heidrich, o nazista assassinado na vida real e que inspirou o filme) enquanto os tchecos da resistência são íntegros. No entanto, concluem Koppes e Black, a sátira em O Grande Ditador se mostrou mais efetiva do que filmes sobre a resistência. Mas também não se trata apenas de uma questão de risada, em Ser ou Não Ser, que mostra um sósia de Hitler caminhando na rua em Varsóvia, nem todo mundo estaria disposto a rir, uma vez que a Polônia já havia sido invadida pelos nazistas desde 1939 (20).




Chaplin
parou de rir

de Hitler quando
ele finalmente
invadiu a

Europa




 Saudado por alguns na época como “o melhor filme de propaganda desde o início da guerra”, O Grande Ditador teria o mérito de atacar o ditador alemão através de um humor inteligente. De acordo com Ray Bradbury, “quando se está diante de regimes totalitários, da loucura que impõem ao mundo, não basta ter coragem. Precisa-se rir na cara deles. Gargalhar e dizer: ‘vocês não valem nada. Eu os descarto assim, dando uma gargalhada eterna, a gargalhada da aceitação que os dissolve” (21). É possível que a referência a César em Sargento York seja uma resposta/provocação às palavras que Chaplin coloca na boca do grande ditador. No início da famosa cena da dança com o globo terrestre, Hynkel recita em latim “Ou César ou nada!” (a frase “aut Caesar aut nullus” é uma citação incorreta de “aut Caesar aut nihil”) (22). As filmagens de O Grande Ditador estavam quase terminadas quando Hitler se lançou na conquista da Europa. Chaplin ficou tão chocado que pensou em suspender o lançamento do filme, afirmando que Hitler “(...) é uma ameaça horrível para a civilização ao invés de alguém de quem se possa rir”.






Talvez O Grande Ditador representasse um enorme
contraponto em relação às
“tentati
vas” de Hollywood





Quando Hitler invadiu a França, Chaplin ainda estava ocupado com o discurso na cena final, o que o fez reescrevê-lo como um apelo pela paz e pela razão. No dia em que Chaplin estava gravando a cena, o próprio Hitler chega à Paris para saborear a vitória. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota do ditador, o clima de caça às bruxas do macarthismo (que inauguraria uma nova fase do cinema de propaganda Hollywoodiano) atingiu Chaplin. Apenas muitos anos depois Chaplin voltaria ao país para receber um Oscar pelo conjunto da obra, oferecido pela indústria cinematográfica de Hollywood. Mas por hora, durante a década de cinqüenta, foi considerado um inimigo da democracia norte-americana. Chaplin, que era um imigrante inglês (e nasceu no mesmo ano e na mesma semana que Hitler), seria forçado a exilar-se fora dos Estados Unidos. Enquanto isso, aqueles que levaram para as telas do cinema um filme patético como Missão em Moscou, assim como seus colegas, colhiam os frutos da recompensa por serviços prestados à desinformação patrocinada pelo governo norte-americano.




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Notas:

1. KOPPES, Clayton R.; BLACK, Gregory D. Hollywood Goes to War. How Politics, Profits & Propaganda Shaped World War II Movies. London: I.B. Tauris, 1987. P. 17.
2. FARMER, James H. Celluloid Wings. The Impact of Movies on Aviation. Pensilvânia/ EUA: Tab Books Inc., 1984. Pp. vii, viii, xiii, ix, 133, 135, 141-2, 159-61.
3. Idem, p. 161.
4. KOPPES, Clayton R.; BLACK, Gregory D. Op. Cit., p. 250.
5. Idem, p. 14.
6. Ibidem, pp. vii-viii, 13-26, 31-2, 35.
7. Ibidem, p. 185-6.
8. Ibidem, p. 2.
9. Ibidem, p. 16.
10. Ibidem, p. 17.
11. Ibidem, p. 41.
12. Ibidem, p. 39.
13. Ibidem, pp. 37-9, 333n43.
14. Goebbels, Mestre da Propaganda In 4º Poder, série O Poder e a Mídia, TVE, canal 2, RJ. 05/09/1996. BBC.
15. KOPPES, Clayton R.; BLACK, Gregory D. Op. Cit., p. 39, 40.
16. Idem, p. 114, 119. Action in the North Atlantic, direção Lloyd Bacon, não creditados: Byron Haskin e Raoul Wash, 1943.
17. FARMER, James H. Op. Cit., pp. 156, 316.
18. Idem, p. 156.
19. Ibidem, p. 31.
20. Ibidem, p. 297.
21. O Vagabundo e o Ditador, documentário de Kevin Brownlow e Michael Kloft. Nos extras do DVD de O Grande Ditador, lançado no Brasil pela Warner Brothers, 2001.
22. IMDB. http://www.imdb.com/title/tt0032553/faq 


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